A Revolução de Pantera Negra: a criação do filme de super-heróis mais radical de todos os tempos

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A Revolução de Pantera Negra: a criação do filme de super-heróis mais radical de todos os tempos


“É um momento de mudança”, diz o protagonista, Chadwick Boseman. “É o renascimento do cinema negro, mas ainda não é o suficiente”

por Josh Eells

Há dois anos, Chadwick Boseman esteve em um filme chamado Deuses do Egito. Não era uma produção muito boa, mas foi bastante comentada à época por fazer “white washing” – escalando, para os papéis de divindades africanas antigas um branco escocês, um branco dinamarquês e pelo menos sete pessoas brancas da Austrália. Boseman, o único ator principal negro, fez Tot, o deus egípcio da sabedoria e inventor da matemática. Antes do lançamento do filme, um jornalista o questionou sobre as críticas e ele respondeu que não apenas concordava com elas mas também que havia aceitado o papel por isso – para que o público visse pelo menos um deus de ascendência africana. “Só que”, acrescentou secamente, “ninguém faz filmes de US$ 140 milhões estrelados por negros”.

Quanta diferença em dois anos: agora, temos Pantera Negra – um longa de não apenas US$ 140 milhões, mas sim de US$ 200 milhões, e estrelado por negros. Já não era sem tempo. Stan Lee e Jack Kirby criaram o Pantera, o primeiro super-herói negro, em 1966, mas ele só apareceu na tela grande 50 anos depois, quando Boseman roubou a cena em Capitão América: Guerra Civil. Agora, depois de uma década de filmes do universo Marvel estrelando um número demograficamente desproporcional de homens brancos chamados Chris, o mundo finalmente tem seu primeiro super-herói africano.

“É um momento revolucionário”, afirma Boseman. “Lembro a empolgação que as pessoas sentiam ao verem Malcolm X (filme de 1992 dirigido por Spike Lee). E isto é maior ainda. Todos vêm ver o filme da Marvel.”

Ele não está exagerando. O filme quebrou um recorde de pré-venda de ingressos para filmes de super-heróis e arrecadou US$ 520 milhões no fim de semana de estreia – melhor do que qualquer filme Marvel. A produção segue quebrando recordes: também foi a maior bilheteria do universo da Marvel na primeira semana e no segundo fim de semana.

Uma introdução rápida: Boseman faz o papel de T’Challa, rei da fictícia nação africana de Wakanda – a civilização mais rica e tecnologicamente avançada do mundo. Ele também faz jornada como o Pantera Negra, um guerreiro afrofuturista com poderes super-humanos que deve proteger seu povo. Segundo o presidente dos Estúdios Marvel, Kevin Feige, Boseman era sua única opção para o papel. E quando a ligação veio ele estava pronto. “Disse ‘sim’ pelo telefone”, lembra Feige. “Não percebi muita hesitação nele.”

Até agora, Boseman, de 41 anos, era mais famoso por ser ator de biografias no cinema, no papel de uma sequência sem precedentes de ícones negros: Jackie Robinson (42: A História de uma Lenda), James Brown (Get On Up: A História de James Brown), Thurgood Marshall (Marshall). De certa forma, Pantera Negra é o passo seguinte lógico – o juiz Thurgood Marshall com garras de vibranium e um avião secreto. Durante anos, Boseman quis fazer o personagem, mantendo um diário com anotações desde 2012. “É uma escalação perfeita”, afirma o diretor, Ryan Coogler. “O porte físico dele, sua personalidade reservada, o fato de que parece ser mais novo do que é, muito sábio para a idade que tem.”

“Chad tem uma performance incrível”, diz Michael B. Jordan, coastro do filme como seu inimigo, Erik Killmonger. “Não consegui imaginar outra pessoa no papel.” Algumas semanas antes da estreia do filme, Boseman está tentando não ser notado, tomando chá de hortelã no café hipster de Los Angeles onde costumava vir escrever quando era um aspirante a roteirista recém-chegado de Nova York. É alto e magro, com dedos longos e elegantes e nós de boxeador nos dedos (Coogler conta que, às vezes, eles lutavam no set para ganhar energia). Um de seus pontos fortes como ator é uma capacidade de observação silenciosa e intensa e ele é igual na vida real, vendo o mundo com os olhos meio apertados e céticos (“Enxergo tudo”, diz Boseman). Quando fala, é invariavelmente cuidadoso e detalhista. “Você está dizendo que falo demais!”, diz, rindo.

De algumas formas, ele é uma opção engraçada para um astro de ação de grande bilheteria. É “90% vegano, casualmente menciona nomes de intelectuais negros, como Yosef Ben-Jochannan e Frantz Fanon, e diz que fica ansioso no palco ou diante de plateias (“Ir a um talk show? Ai, meu Deus. Não”), mas também sabe que é um veículo para algo maior: “Realmente acredito que exista uma verdade que precisa entrar no mundo em um momento em particular. E é por isso que as pessoas estão empolgadas com o Pantera. O momento é agora”.

É um divisor de águas para negros e para Hollywood. O elenco conta com uma lista incrível de talentos – além de Boseman e Jordan, há Angela Bassett, Forest Whitaker e vários atores de ascendência direta africana, como Lupita Nyong’o, de Star Wars (que cresceu no Quênia), Danai Gurira, de The Walking Dead (criada no Zimbábue) e Daniel Kaluuya, de Corra! (cujos pais imigraram de Uganda para a Inglaterra). Não é apenas o primeiro filme de super-heróis com um elenco predominantemente negro – é o primeiro com diretor negro, roteiristas negros, figurinistas e designers de produção negros e um produtor executivo negro. Grupos comunitários estão alugando cinemas inteiros para exibir o filme; pessoas estão fazendo campanhas de crowdfunding para comprar ingressos para crianças negras que talvez não conseguissem vê-lo de outra forma.

“Estávamos fazendo um longa sobre o que significa ser africano”, diz Coogler. “Era um espírito que todos trouxemos à produção, independentemente da herança. O codinome para o projeto era Terra-Mãe, e era isso mesmo. Todos fomos aprender sobre a África.”

“O dinheiro e a mão de obra necessários para criar todo esse mundo africano… é uma produção enorme”, afirma Boseman, “mas isso não é Star Wars – é um filme de super-herói negro!” Por um lado, ele ainda não consegue acreditar que isso esteja acontecendo. Por outro – por que não deveria acontecer? Além disso, diz, “o que significaria se não acontecesse? Você estaria dizendo que há uma segunda classe de filmes Marvel. Uma cidadania de segunda classe”.

Para Boseman, a negritude do filme é inseparável de sua atração. “Alguns atores [negros] dizem: ‘Não quero fazer um personagem só porque é negro’”, conta. “Tudo bem com isso, não estou dizendo que estão errados, mas estão perdendo toda a riqueza que tem sido embranquecida.”

Ele fala com empolgação sobre a luta dos atores negros por bom material (“Muito frequentemente, a humanidade para personagens negros não está ali”) e os dois pesos e as duas medidas de Hollywood quando se trata de identificar jovens talentos negros (“Todo ano, agentes voam até a Austrália para encontrar o próximo grande ator branco, mas quando pegam voos de 14 horas para encontrar o próximo negro?”).

“Há muita coisa boa acontecendo”, Boseman admite. “Se você pensar em Barry [Jenkins], Ava [DuVernay], Ryan – é o renascimento do cinema negro, mas ainda não é o suficiente. É uma coisa de números. Se você tem 15 cenas, tenho três. Se você tem nove chances de errar, tenho uma. Cada um de nós sabe que, se você errar, sua carreira acabou. Vejo a intensidade. Vejo como Ryan é. Se você tiver um problema, nunca mais trabalhará nesta cidade.”

Ele ri. “Pode me corrigir se eu estiver errado!”

Saímos do café e Boseman senta no banco de trás de um veículo Escalade, a caminho do programa Larry King Now. “Vou ligar rapidinho para minha mãe para não me encrencar”, avisa.

“Oi”, diz quando ela atende. “Estou bem, só ligando para saber de você. Já sabe o que vai usar na estreia? A saia africana. Aquela que eu trouxe de Gana? Ok. Peça para me mandarem uma foto.”

Eles passam alguns minutos falando sobre uma sessão de Pantera que Boseman está tentando organizar para cerca de 150 crianças em sua cidade natal. “Tudo bem”, ele diz. “Tenho que dar uma entrevista para a TV”. Começa a desligar, mas a mãe o interrompe. “Também te amo”, diz. “Tchau.”

Boseman cresceu na Carolina do Sul, em uma cidade pequena chamada Anderson. A mãe, Carolyn, era enfermeira; o pai, Leroy, trabalhava em uma fábrica de têxteis e mantinha um negócio de estofados. Os dois ainda moram lá.

Chad, como era chamado (“Realmente não sei por que minha mãe escolheu Chadwick – é um nome esquisito para um negro”), era o caçula de três filhos. O irmão do meio, Kevin, é um bailarino e cantor que já fez turnê com uma produção de O Rei Leão e dançou com a companhia de Alvin Ailey. O irmão mais velho, Derrick, é pregador no Tennessee. “Acho que é batista”, Boseman conta, desconfortável. “Acabei de dar dinheiro a eles, mas não lembro quanto escrevi no cheque.”

Racismo era um fato da vida. Seu distrito escolar ainda era segregado poucos anos antes de ele nascer. “Já fui chamado de ‘crioulo’, expulso da rua por um caipira, tipo ‘vá se foder, crioulo’ – claro”, conta. “Via picapes com bandeiras confederadas no caminho para a escola. Não estou dizendo que era uma ocorrência diária, mas se alguém tivesse vontade de ser tradicional naquele dia…”

Em meados de 2015, duas semanas depois de um supremacista branco matar nove fiéis em uma igreja metodista episcopal africana, em Charleston, na Carolina do Sul, Boseman, que estava em Atlanta filmando Capitão América: Guerra Civil, foi para casa ver a família. “Meus primos falaram: ‘Não pegue esse caminho porque estão fazendo um encontro da Ku Klux Klan no estacionamento’”, conta. “Então, não é uma coisa do passado.”

Ele era um menino tranquilo que amava desenhar e queria ser arquiteto. Também amava basquete e era bom o suficiente para ser recrutado para jogar na universidade, mas, quando estava no 1º ano do ensino médio, um garoto de seu time foi morto a tiros. Boseman reagiu à tragédia escrevendo uma peça, que chamou de Encruzilhada e encenou na escola como uma forma de lidar. Percebeu que gostava de contar histórias. “Tive a sensação de que havia algo me chamando”, diz. “De repente, jogar basquete não era tão importante.”

Ele se matriculou para estudar direção na Howard, universidade historicamente negra em Washington carinhosamente conhecida como “Meca”. Em seu livro Between the World and Me, o escritor Ta-Nehisi Coates – contemporâneo de Boseman em Howard e, coincidentemente, roteirista da HQ do Pantera Negra – chama a escola de “encruzilhada da diáspora negra”. Boseman devorou o ambiente. Conseguiu um emprego em uma livraria africana e fez uma viagem para Gana. Também aprendeu sobre um certo super-herói africano.

“Em uma faculdade historicamente negra, sua atenção é chamada para todas essas coisas – o panteão de nossa cultura”, diz. “É John Coltrane, é James Baldwin. E é o Pantera Negra.”

Boseman fez aulas extras de atuação para melhorar sua direção. Uma de suas professoras era Phylicia Rashad, mais conhecida como Clair Huxtable, da série The Cosby Show, que se tornou sua mentora. “Ela fazia uma peça fora da cidade, você ia ver e ela te levava para casa e conversava com você”, ele conta. “Phylicia tem boas lembranças de Boseman. “Chad era esse jovem magro de olhos enormes e sorriso encantador e uma personalidade muito gentil”, diz. “O que vi nele foi que o céu era o limite. Nunca me pediu para apresentá-lo a ninguém – não é o jeito dele. Chegaria lá por mérito próprio.”

Enquanto assistia às aulas de Phylicia, ele e alguns colegas se inscreveram para um prestigioso programa de verão em Oxford para estudar teatro. Foram aceitos, mas não tinham dinheiro para ir. “Ela lutou por nós”, Boseman conta. “Essencialmente, conseguiu que alguns amigos famosos pagassem por nossa ida” (“Não quero dizer quem pagou por mim”, acrescenta, “mas não, não foi o Bill Cosby”).

Quando estava em Oxford, estudou o cânone ocidental: Shakespeare, Beckett, Pinter. “Só que sempre senti que escritores negros eram igualmente clássicos”, diz. “É igualmente difícil encenar August Wilson e as histórias que ele conta são igualmente épicas.”

Depois da formatura, Boseman se mudou para Bed-Stuy, no Brooklyn, onde mergulhou na cena de teatro e hip-hop de Nova York, escrevendo e dirigindo peças em que os astros faziam rap e corais gregos faziam beatbox. “O que Hamilton está fazendo agora”, afirma com orgulho, “fazíamos há 15 anos”. Para pagar as contas, também ensinava atuação para crianças no Schomburg Center, uma biblioteca de pesquisa negra no Harlem. Um dia, começou a conseguir papéis nos seriados de sempre – Law & Order, CSI: NY, Cold Case – antes de ter sua grande chance ao representar Robinson em 42. No entanto, sempre procurou projetos que tivessem o mesmo peso emocional que ele sentiu aos 17 anos e a perda do amigo inspirou sua primeira peça.

“Para mim, fazer isto tem de ser significativo”, diz Boseman. “Porque foi como começou.”

Quando Boseman conseguiu o papel do Pantera Negra, uma das primeiras coisas que fez foi pedir ao pai que fizesse um exame de DNA. Queria saber mais sobre suas raízes. “AfricanAncestry.com”, diz. “Esse site é bem específico quanto ao grupo étnico de onde você vem, não apenas de qual país” (para constar: iorubá da Nigéria, limba e mende de Serra Leoa e jola de Guiné-Bissau). Ele conta que também rastreou sua linhagem americana o máximo que pôde. “Para ir mais longe”, afirma com um sorriso irônico, “eu teria de buscar registros de propriedade”.

Ele se inspirou em várias influências da vida real para fazer T’Challa: o chefe tribal Shaka Zulu e o líder político Patrice Lumumba, discursos de Nelson Mandela e músicas de Fela Kuti. Leu sobre guerreiros massais e conversou com um babalaô iorubá. Para suas cenas de luta, treinou artes marciais africanas – boxe dambe, luta com bastões zulus e capoeira angolana. Além disso, fez duas viagens à África do Sul para pesquisar. Em uma delas, um músico de rua da Cidade do Cabo lhe deu um nome xhosa: Mxolisi, ou “Pacificador”.

Para ele, o mais importante foi o sotaque. No filme, o povo de Wakanda fala essencialmente xhosa, uma das línguas oficiais da África do Sul, e, quando fala inglês, é com sotaque xhosa. “Senti que de maneira nenhuma conseguiria fazer o filme sem sotaque, mas precisei convencer [o estúdio] de que era algo do qual não poderíamos ter medo. Meu argumento foi treinarmos os ouvidos do público nos primeiros cinco minutos – colocando legendas, dando o que precisassem – e acredito que se acostumarão do mesmo jeito que se acostumam com um sotaque irlandês ou britânico. Vemos o tempo todo filmes em que isso acontece”, acrescenta. “Por que, de repente, é ‘não conseguimos acompanhar’ quando se trata de sotaque africano?”

Claro, também houve Barack Obama. Quando a ideia para um filme do Pantera Negra começou a surgir, um negro era presidente dos Estados Unidos. “A presença dele abriu as portas para isso, de certa forma”, argumenta Boseman. Ele pegou de Obama o conceito de “um líder que não reage a críticas – o tipo de pessoa que consegue segurar a língua e se manter firme”. Além disso, diz que ele e Coogler conversaram sobre o vibranium – o metal ultravalioso que dá a Wakanda sua riqueza e proeza tecnológica – como uma espécie de arma nuclear. “Então, é algo semelhante”, alega. “De quem você quer receber uma ligação às 3h manhã? Eu preferiria que fosse alguém como [Obama] ou T’Challa a… outra pessoa.”

O que nos leva ao ocupante atual da presidência dos EUA. O que ele acha que T’Challa – o monarca trilionário gênio do reino mais sofisticado da África – pensaria sobre Donald Trump se referir a algumas nações deste continente como “países de merda”?

Boseman – que, no ano passado, afirmou que Trump estava “dando voz à supremacia branca” – hoje apenas sorri. “Adoraria responder essa”, diz, “mas não quero dar o tempo do Pantera a ele”.

Alguns dias depois, Pantera Negra fez sua estreia mundial em um cinema de Los Angeles. Parece que metade da Hollywood negra está ali: Don Cheadle comendo pipoca no camarote, Laurence Fishburne cumprimentando pessoas na escada, Donald Glover resplandecente em um terno cor de tangerina, Jamie Foxx vestindo uma camiseta com a frase “Wakanda Forever”. Quando o filme é exibido, há gritos, lágrimas, risos e muitos aplausos de pé. Vira uma celebração.

Naquela semana, Coogler está sentado na sacada de um hotel em Beverly Hills, tentando processar tudo. “Estreias são emocionalmente sufocantes, cara”, diz. Estava mais focado nos cerca de 50 parentes que vieram da Bay Area para ver o filme, alguns deles, como sua avó, idosos e em cadeira de rodas. “Só estava tentando garantir que eles estivessem bem”, conta. “Fiquei pensando em rampas.”

Muito se falou sobre Coogler ser o primeiro diretor negro de um filme da Marvel, mas comparativamente pouco se falou sobre a idade dele. Tem apenas 31 anos – espantosamente jovem para conduzir uma produção tão gigante. “É o cineasta mais novo que já contratamos”, afirma Feige, da Marvel. “Ele tem um tremendo dom.”

Os dois filmes anteriores do garoto-prodígio – Fruitvale Station: A Última Parada, queridinho do festival Sundance em 2013, sobre o assassinato de Oscar Grant, um negro desarmado que levou um tiro da polícia nas costas enquanto estava deitado em uma plataforma do metrô de Oakland; e Creed: Nascido para Lutar, a versão de Rocky de 2015 sobre um jovem boxeador que cresce na prisão juvenil e aprende a canalizar sua raiva no ringue – foram sucessos de crítica e bilheteria, o que deixou poucas dúvidas sobre Coogler estar à altura do desafio. Mas Michael B. Jordan, que estrelou em ambos, diz que, mesmo assim, foi “surreal” estar no set de um filme de US$ 200 milhões com o mesmo diretor que, cinco anos antes, estava rodando uma produção independente de US$ 900 mil com, como diz, “um pouco de fita crepe e uma câmera”.

“De vez em quando, estávamos preparando a tomada seguinte”, conta Jordan, “e ficávamos só nós dois, dizendo: ‘Cara, que loucura!’”

O Pantera Negra de Coogler é sobre muitas coisas: família, responsabilidade, pais e filhos. O poder de mulheres corajosas. Imigração, fronteiras, refugiados. O que significa ser negro. O que significa ser cidadão do mundo. Só que também é um filme sobre os Estados Unidos – o país da pena mínima obrigatória e do comércio de escravos. É sobre como, nas palavras de um personagem, “líderes foram assassinados, comunidades foram inundadas por drogas”. E é sobre – nas assombrosas últimas palavras de outro personagem – “meus ancestrais, que saltaram de navios porque sabiam que a morte era melhor do que a escravidão”.

Quando Coogler era criança em Oakland, seu pai trabalhava em um centro juvenil, em São Francisco. “Chama YGC – Centro de Orientação para a Juventude”, conta. “É onde menores são encarcerados. E é uma merda.” Algumas das questões que Coogler começou a perceber no YGC se tornariam temas de seus dois primeiros filmes: famílias desestruturadas, excesso de policiamento e encarceramento, falta de oportunidades para jovens negros. Elas também aparecem em Pantera Negra, principalmente através do personagem de Jordan, Killmonger, um membro abandonado da família real de Wakanda que cresceu órfão em Oakland, se tornou um integrante dos Navy SEALs e virou assassino em operações secretas. Ele volta a seu país ancestral para depor T’Challa do trono e usar as riquezas e as armas de Wakanda para realizar um levante racial internacional. “De onde venho, quando negros começaram revoluções, nunca tinham o poder de fogo ou os recursos para lutar contra seus opressores”, diz a certa altura. O personagem planeja armar negros no mundo inteiro, “para que possam se erguer e matar quem está no poder”.

Jordan, como Boseman, inspirou-se em figuras da vida real para criar Killmonger: Malcolm X, Marcus Garvey, Huey P. Newton, Fred Hampton, Tupac Shakur. “Este jovem negro de Oakland, crescendo em opressão sistemática, sem ter pai nem mãe por perto, indo para um lar temporário, fazendo parte deste sistema”, diz Jordan. “[Killmonger] sendo afro-americano como eu, entendi essa raiva e como ele pôde chegar a ponto de ter de fazer o que tinha de fazer, por qualquer meio necessário.”

Para Boseman, Killmonger e T’Challa são dois lados da mesma moeda. Não exatamente Malcolm e Luther King – porque T’Challa também está disposto a lutar –, mas algo semelhante. Radical versus diplomata, revolucionário versus pacificador. “Essas ideias, esse conflito – venho tendo esta conversa quase a minha vida inteira”, afirma, “mas ela nunca realmente aconteceu em um ambiente no qual você pode ouvi-la. Então, o fato de podermos ter esta conversa e você conseguir ouvi-la – e ter de lidar com ela? É isso o que torna este filme muito diferente.” Em outras palavras, aproveite o entretenimento oferecido por este super-herói negro, mas se prepare para também confrontar mais de 500 anos de opressão sistemática.

Depois de um longo dia promovendo o filme, ele está relaxando no Dime, um bar de coquetéis e hip-hop perto de West Hollywood. Está com Logan Coles, seu parceiro de escrita e amigo desde a época da universidade, e Addison Henderson, amigo e treinador. Estão aqui para comemorar: além do filme, a mulher de Coles está grávida do primeiro filho do casal. Enquanto o DJ toca Tupac e Nas, eles se juntam em uma mesa e tramam o que virá depois. Com certeza veremos mais do Pantera Negra em abril, quando ele se unirá ao Capitão América para defender o mundo de uma invasão alienígena em Vingadores: Guerra Infinita, mas Boseman parece mais empolgado em voltar a escrever. Ele e Coles estão prestes a começar a trabalhar em um roteiro para teatro sobre um ministro e ativista antigangues de Boston, que pretende interpretar. Além disso, estão ajustando um roteiro que escreveram chamado Expatriate, sobre o sequestro de um avião nos anos 1970, que Barry Jenkins, diretor do vencedor do Oscar Moonlight: Sob a Luz do Luar, já se comprometeu a dirigir.

Boseman quer fazer muitas coisas. “Há uma infinidade de histórias em nossa cultura que não foram contadas, porque Hollywood não acreditava que fossem viáveis”, afirma. “Seria legal ver pedaços da história que você não viu com figuras africanas. Como os africanos na Europa – os mouros na Espanha. Ou, se você for a Portugal, eles têm estátuas de negros por toda parte. Então, não apenas estivemos aqui”, conta, “mas também afetamos diretamente tudo o que você acha ser europeu”.

A garçonete traz mais doses e Boseman propõe outro brinde. “A ver o filme”, diz, “e saber que é bom!”

Antes de irmos embora, ele muda de ideia. Está falando sobre a viagem a Oxford – a celebridade que deu dinheiro a Phylicia Rashad. “Depois de voltarmos, recebemos uma carta do benfeitor”, conta. “Denzel pagou para mim.”

Sim, aquele Denzel mesmo. “Tenho certeza de que ele não faz a menor ideia”, diz. “Foi aleatório”. Ele escreveu uma carta ao ator quando descobriu – “Mal podia esperar para escrever minha carta de agradecimento!” –, mas, a não ser que Washington seja um acumulador ou tenha memória fotográfica, não há motivo para achar que se lembre de um universitário desconhecido de 20 anos atrás. “Estou esperando para encontrar com ele e poder contar isso.”

Há um motivo para ele não querer ter me dito antes. “Você nunca quer fazer alguém sentir que te deve alguma coisa”, afirma. “Essa pessoa já te deu o que deveria ter te dado, mas percebi nesta manhã que cheguei a um ponto em que ninguém pensaria isso.” Boseman sorri. “Não preciso mais de ajuda.”

Sons para um Rei
Kendrick Lamar rouba a cena como curador da trilha do filme
Por Jody Rosen

Pantera Negra: Trilha Sonora Original (Top Dawg/Aftermath/ Interscope, * * * *) foi aguardado quase tão ansiosamente quanto o filme que deu origem a ele, e não sem motivo: é capitaneado por mais um agregador improvável de categorias culturais, Kendrick Lamar. Ele foi coprodutor executivo do álbum, tem créditos de composição em cada uma das 14 faixas e aparece por todo o disco. Seu trabalho, no entanto, é algo do século 21: curador musical. Ele reúne velhos amigos de Los Angeles (Schoolboy Q, Ab-Soul), criadores de sucessos do rap do sul (Future, Travis Scott), pioneiros do novo soul (The Weeknd, Anderson .Paak) e músicos da África. Alguns dos melhores momentos da trilha jogam os holofotes sobre as mulheres. Lamar faz parceria com SZA na lamentosa “All the Stars”; em “I Am”, a cantora inglesa Jorja Smith envolve uma balada dolorida com sua voz rouca. Há muito rap excelente em Pantera Negra, mas as frases mais impressionantes pertencem a Yugen Blakrok, uma MC de Joanesburgo, que aparece ao lado de Vince Staples em “Opps” e dá um banho no artista principal, o que não é nada desprezível. Talvez a faixa mais comovente do álbum também seja a mais estranha, “Pray for Me,” que encerra tudo e na qual Lamar despeja ansiedade e lugares-comuns entre refrãos baratos cantados por The Weeknd. “Luto contra o mundo, luto contra você, luto contra mim mesmo/Luto contra Deus, só me diga quantos fardos sobraram.” Nesses momentos, Lamar é algo mais grandioso do que um super-herói: é heroicamente humano.



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