Desde Junho presidente do Conselho Municipal de Genebra, Carlos Medeiros é o primeiro português que chegou tão alto na política suíça. Controverso, directo e combativo, construiu o seu percurso com teimosia e determinação, desde que chegou à Suíça com 21 anos. Em Maio visita oficialmente Portugal.
Carlos Medeiros em campanha: Genebra nossa prioridade, parar de contratar fronteiriços, diz o cartaz.
(Keystone)
Fala para swissinfo.ch do desejo de que a comunidade portuguesa saia do gueto e ao mesmo tempo sublinha que é um político suíço. Responde sem rodeios às acusações dos seus adversários políticos, que não lhe poupam rótulos pesados: homofóbico, racista, xenófobo, salazarista.
Animal político
Carlos Medeiros meteu-se na política na associação de estudantes do Liceu Passos Manuel, em Lisboa. Diz que se interessou sempre pelo debate de ideias e por isso “aqui acabei por me inscrever num partido com o qual me identificava”. Acrescenta que o Movimento de Cidadãos Genebrinos (MCG) é um partido de raiz local que dá prioridade aos residentes e faz questão de frisar que está a falar de residentes e não de cidadãos suíços.
"É o meu lado pitbull, começo por lançar uma granada e discuto depois”.
Conseguiu o cargo no Conselho Municipal depois de um despique cerrado, pois os socialistas fizeram um grande esforço para que não fosse eleito. Põe tudo na conta de uma imagem que “tem a ver com a minha personalidade – sou bom rapaz, mas tenho uma postura política agressiva e por vezes sou prisioneiro dessa imagem”. Sobre o gosto pela provocação política, diz “é o meu lado pitbull, começo por lançar uma granada e discuto depois”, mas acrescenta que passou “de pirómano a bombeiro” e que as pessoas começam a perceber isso: “O facto de a conselheira administrativa, Sandrine Salerno, uma socialista, ter vindo felicitar-me pelo trabalho difícil realizado com o orçamento da cidade de Genebra, depois de dois dias intensos, é para mim uma razão de orgulho”.
De uma família operária
É acusado de homofóbico. Responde que é evidentemente falso, até porque tem grandes amigos gays e “acabou de me ouvir falar ao telefone com um gay assumido, que tem uma associação e me pediu apoio mediático, não tenho nada a ver com homofobia”. Diz que também não é racista e que esta acusação surgiu na sequência de um comentário no Facebook sobre “uma situação quando se descobriu que havia ciganos romenos que fingiam ser deficientes físicos para mendigar na rua”, pois “não consigo conceber que alguém se sente no chão de mão estendida, usando até crianças para isso, e que faça disso um modo de vida”. Quanto à alegada nostalgia por Salazar, explica que essa acusação surgiu depois de ter dito que “em todos os sistemas totalitaristas, sejam de direita ou de esquerda, podemos encontrar coisas boas”. E para ilustrar, conta que no tempo da ditadura em Portugal o pai trabalhava na Câmara de Lisboa a varrer as ruas e a sua família operária tinha acesso a actividades como o hipismo. Para não deixar dúvidas, reitera que “isto não quer dizer que sou um salazarista, a ditadura deixou infelizmente Portugal com um atraso de 30 anos em relação ao resto da Europa”.
"Não me esqueço de onde venho e considero que o Estado tem que ter um papel de árbitro".
Quando recorda as suas origens operárias, Carlos Medeiros entusiasma-se, fala com paixão de políticas de sensibilidade social. À pergunta se se considera afinal um político de direita, responde que o jornal Tribune de Genève se enganou redondamente quando numa lista das dez pessoas mais influentes do MCG o colocou à direita, em oposição a uma tendência social: “É falso. Sou também deputado, na cidade de Genebra e não hesito em votar com a esquerda certas questões sociais, a ponto de já me terem perguntado se mudei para a esquerda”. Avança exemplos, conta que votou a favor de um subsídio de entrada escolar, porque na escola pública que o filho frequenta vê que há famílias que não conseguem pagar aos filhos uma merenda diária “para além da modesta sandes”. E acende-se, para voltar a dizer que é liberal em termos económicos “porque o capitalismo tem defeitos mas é um sistema que apesar disso funciona”, mas “não me esqueço de onde venho e considero que o Estado tem que ter um papel de árbitro”. Porque se opôs então ao salário mínimo nacional? Responde que viu as consequências negativas em França e até em Portugal, mas que é a favor de acordos sectoriais entre os parceiros sociais. Conta que tem negócios desde 1992 e continuou inscrito no SIT (Sindicato Interprofissional dos Trabalhadores), pagava quotas na federação do patronato e no sindicato durante mais de vinte anos., até ser expulso do sindicato “por pertencer a um partido que era contra a Internacional dos Trabalhadores, uma decisão que algumas personalidades de esquerda na altura consideraram escandalosa”.
Prioridade aos residentes
Sobre os fronteiriços, Carlos Medeiros faz questão de frisar que defende a “imigração escolhida”. Lembra que quando chegou havia 2,7% de desemprego que é um índice normal de desemprego estrutural, mas que hoje atinge ou 5,8%, com 20 mil pessoas sem trabalho em Genebra. Face a esta realidade, não fecha a porta aos imigrantes de fora, “se tiverem oportunidades de encontrar trabalho”, mas defende prioritariamente aqueles que já cá estão. “Não posso esquecer aqueles que tiveram sempre o mesmo emprego, por exemplo na construção civil, e que hoje por variados motivos não conseguem encontrar trabalho”, um problema que diz afectar principalmente a comunidade portuguesa. Atribui a responsabilidade pelo problema dos franceses fronteiriços aos políticos que “assinaram acordos mal negociados, como a chamada ‘cláusula guilhotina’, que estabelecia um limite de 185 mil pessoas por ano vindas da comunidade europeia, mas que não incluía os fronteiriços, que assim passaram de 20 mil a 85 mil”. Que solução? “Costumo dizer aos meus amigos de direita que se todos jogarem o jogo liberal e empregarmos uma secretária fronteiriça que chega com cursos superiores, cinco línguas e estágios em Inglaterra, em vez de pagar o mesmo a uma residente, então nem vale a pena os nossos filhos irem à escola, podem inscrever-se já no desemprego”, remata, acrescentando que o remédio “não é meter metralhadoras na fronteira, mas sim dar prioridade ao residente” e que isto não tem nada a ver com racismo ou xenofobia, trata-se de uma política de bom senso. Atento à polémica, reitera: “Não falo de suíços, falo de residentes, daqueles que pagam aqui os alugueres e os seguros de saúde”.
Hoje é cada um por si
Carlos Medeiros anunciou recentemente que vai deixar o cargo no conselho municipal em 2016, uma decisão que não agradou no MCG. Aponta a necessidade de dar mais tempo à família e de expandir a actividade empresarial, mas admite que é um homem ambicioso e que tendo atingido o topo da carreira política em Genebra “não me vejo a regressar à mesma arena política, porque sou homem de combate”. Diz que Éric Stauffer. Presidente do MCG, quer que continue, mas está decidido a deixar o Conselho Municipal no final de 2016 e ficar como deputado até 2018. Não abandona ainda a cena política, “até porque fui um dos fundadores do MCG e estamos a trabalhar para o futuro do partido”.
Quanto às suas prioridades e objectivos neste cargo político, considera ser hoje necessária uma reflexão de fundo sobre uma sociedade que começa a desenvolver-se a várias velocidades. Confessa a sua nostalgia da Suíça que conheceu quando aqui chegou: “O que me agradou quando cheguei aqui há 28 anos é que existia o sentido de um bem comum a defender, hoje é mais cada um por si e é pena”.
Diz que viu o ministro das finanças “mudar de cor”, quando o parlamento reenviou o orçamento para 2016 ao Conselho de Estado, com 96 dos 100 deputados a votar contra, mas que “somos obrigados a fazer escolhas, porque temos uma dívida abissal de 13 bilhões, a caixa pública das reformas regista um buraco de 500 milhões de francos por ano e tem uma dívida de sete bilhões”. Reconhece que o governo não tem coragem, mas acrescenta que “no meu partido é igual, não conseguimos acordo”. Avisa que não é possível contornar o problema, pois “temos problemas sociais, problemas estruturais, temos uma faixa etária entre os 50 e os 55 que não consegue entrar no mercado de trabalho, temos uma dívida elevadíssima em termos de prestações sociais”.
Lisboa recebe o suíço lisboeta
O português que veio de Lisboa, volta à sua cidade natal com uma visita oficial, nos próximos dias 8, 9 e 10 de Maio. Sorri, satisfeito com a ideia: “Não deixa de ser interessante que a bandeira Suíça seja hasteada nos paços do Conselho para assinalar a visita de um dirigente suíço que nasceu e viveu lá”. A sua ascensão política é sinal de que os portugueses começam a tomar parte activa nos destinos da cidade? “Esse é o nosso grande problema”, responde, lamentando que a população residente portuguesa, que conta cerca de 40 mil pessoas, trinta e tal mil das quais habilitadas a votar, seja a comunidade estrangeira que regista a maior abstenção.
Este ano o consulado tentou fazer alguma coisa e organizou encontros da comunidade portuguesa com representantes dos partidos políticos. O MCG participou nesses encontros numa posição de neutralidade, “até porque algumas das posições que defendemos não são coincidentes com a política portuguesa que o consulado representa, como por exemplo a nossa rejeição de uma adesão da Suíça à União Europeia”, mas Carlos Medeiros desejaria uma cooperação muito maior. “Eu disse aliás ao consul-geral português que esqueça o partido e olhe para a minha pessoa, pois a minha posição política permitiria criar iniciativas que promovessem a cultura portuguesa e a defesa dos direitos dos residentes portugueses”, adianta, acrescentando que a comunidade portuguesa nem sequer tenta pedir ajuda para resolver situações difíceis, enquanto outras comunidades procuram os apoios que o sistema lhes oferece. Estranha que enquanto outras entidades criam laços, “as estruturas portuguesas até se esquecem de que existe aqui um português num cargo político de relevo, a minha comunidade de origem ignora-me completamente”.
Entre as associações portuguesas há quem o critique por não ter apoiado a ideia de impor o ensino da língua portuguesa como opção no ensino público. “Eu sou deputado suíço, não sou deputado português”, dispara, argumentando que vivemos num cantão onde 49% da população é de origem estrangeira e o orçamento não permitiria conceder o mesmo a todas as comunidades: “Que vamos depois dizer àqueles que vieram da Albânia, ou aos de origem turca, que são 28 mil?”
Carlos Medeiros continua a seguir a política portuguesa, mas confessa-se muito decepcionado: “Acho que os políticos em Portugal são todos iguais, desenvolveu-se uma corrupção escandalosa, ninguém pensa no bem comum e quem paga a factura são aqueles que estão em baixo”.
Abaixo o capitalismo selvagem
O homem forte do MCG é contra o capitalismo sem o controle do Estado? Volta a acender-se: “O capitalismo selvagem à americana? Nem pensar nisso! Quero viver numa sociedade que dê oportunidades à classe média mas onde o Estado tenha um papel fundamental”. Acrescenta que a cultura, a saúde e a educação não podem ser vistas como uma actividade de mercado e avança exemplos, conta que votou na cidade de Genebra por um subsídio ao cinema independente. Com algumas dúvidas, admite, “até que o vice-presidente de uma associação de cineastas independentes me explicou que sem esse subsídio eles não eram capazes de desenvolver o cinema independente suíço face ao domínio dos Blockbusters americanos”. Só não apoia a ideia de atribuir um salário mínimo a toda a gente, porque “sou pela meritocracia”. Mais uma vez, evoca os primeiros tempos em terra suíça, quando começou pela “permissão A”, uma autorização de residência que já não existe e que não autorizava o reagrupamento familiar, que punia com cinco anos de interdição quem ficasse um só dia mais. “Ficávamos de pé na rua com dez graus negativos para fazer radiografias de rastreio da tuberculose, conheço tudo isso”, insiste.
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