A medicina tradicional chinesa se tornou muito popular na Suíça e chegou até a ser integrada ao sistema de saúde ao ser incluída na oferta dos seguros. Porém o Prêmio Nobel agraciado à pesquisadora chinesa Youyou Tu, e o possível sucesso do novo tratamento contra a malária, não mancharia a fama da medicina tradicional?
Youyou Tu, fotografada nos anos 1980.
(Keystone)
O Nobel de Medicina foi dividido esse ano. Uma das agraciadas foi a farmacêutica chinesa Youyou Tu pelo desenvolvimento de um medicamento contra a malária, o Artemisinin. Ela foi aclamada na China, mas o prêmio também provocou um intenso debate.
O ex-presidente do Instituto Suíço de Saúde Pública e Tropical (Swiss TPH), Marcel Tanner, não duvidava que Youyou Tu iria receber o Nobel. “Ao pensar em todas as pessoas salvas da malária através do Artemisinin, mais palavras não são necessárias tendo em vista a óbvia importância da descoberta”, diz.
Artemísia
Designação comum aos arbustos e ervas do gên. Artemisia, da fam. das compostas, com cerca de 350 spp., aromáticas e com capítulos pequenos, nativas de regiões temperadas do hemisfério norte e tb. do Oeste da América do Sul e do Sul da África, ger. em áreas secas, algumas cultivadas para tempero culinário, como o estragão, para infusões estimulantes, como o absinto, medicinais ou apenas tomadas como chá. Fonte: Dicionário Houaiss
Também Xudong Wang, professor na Faculdade de Medicina de Nanjing, não questiona os méritos de Tu. Porém faz ressalvas. Apesar de toda euforia e entusiasmo, é preciso impedir que a popularidade do Artemisinin coloque em descrédito a medicina tradicional chinesa.
Inspirado nas tradições
“Você pega um punhado de artemísia (ver quadro), misture com o dobro de quantidade de água, prense as plantas e aproveite o suco”. Essa frase tirada de um guia para o tratamento de doenças agudas do taoísta e alquimista chinês Ge Hong (entre 280 d.C. e 340 d.C) inspirou Tu em suas descobertas. O ingrediente ativo Artemisinin perde uma grande parte de suas propriedades antimalárica ao ser extraído através desses métodos tradicionais da medicina chinesa através da fervura. Sem esse processo, o Artemisinin chega a ter uma taxa de cura de 90%.
Crucial então é o método de extração do fármaco. Essa realidade levanta a questão se o Artemisinin pertence aos medicamentos químicos ou à química da medicina tradicional chinesa.
O Comitê Nobel Norueguês justificou sua escolha através das seguintes palavras: “O Prêmio Nobel desse ano não foi dado à medicina tradicional chinesa, mas a uma personalidade científica que se inspirou na medicina tradicional e, dessa forma, desenvolveu um novo medicamento.”
Tanner, que hoje trabalha como professor na Universidade da Basileia, vê o Artemisinin como um produto conjunto da medicina tradicional e da farmacologia. Em sua opinião, a crítica na China é incompreensível. “É um erro querer discutir sobre esse problema. O método não importa, mas sim o fato de que o Artemisinin é, em si, uma grande descoberta.”
Cinco colunas
Medicina tradicional chinesa
O professor Wang contrapõe. “Mesmo se Tu conseguiu desenvolver o Artemisinin através dos métodos da farmácia moderna, não é possível deixar de pensar na medicina tradicional, de onde ela afinal tirou a sua inspiração. Essa realidade foi ignorada pelo Comitê Nobel.”
Cientista questionada
Na China, o currículo da pesquisadora laureada também é tema de discussões: ela não tem título de doutorado, não pertence à Academia Chinesa de Ciências e também nunca estudou ou pesquisou no exterior. Porém, mesmo sem títulos acadêmicos, Youyou Tu salvou milhões de vidas com o seu medicamento, consideram seus defensores.
Malária
Medicina tropical na Tanzânia
“Nesse sentido a Youyou Tu é, de fato, uma desconhecida”, afirma Wang. “Para padrões chineses a Tu não se destaca em muitos aspectos, o que explica uma certa inveja e desconforto que provocou ao receber o prêmio. Porém, no exterior, as pessoas só veem a descoberta e não seu status social. Nesse ponto, eu louvo a decisão do Comitê Nobel. Para algumas instituições científicas no nosso país, isso serviu como um alerta.”
Xudong Wang
(zvg)
Nesse contexto, Tanner cobra uma certa flexibilidade das instituições: pessoas sem título, capazes de ter um desempenho fora do comum e, cujo trabalho tragam frutos para a sociedade, devem receber um título de doutor honoris causa. “Se a Youyou Tu trabalhasse na Suíça, ela receberia automaticamente o título”. Decisivo não é o título, mas sim uma cabeça inteligente.
Sucesso da medicina chinesa tradicional
A medicina tradicional se popularizou na Suíça nos últimos anos. Ela foi aceita no sistema básico de saúde, o que significa que seus tratamentos podem ser cobertos pelos seguros na Suíça.
Segundo o professor Xudong Wang, da Faculdade de Medicina de Nanjing, China, o número de consultórios e terapeutas na Suíça passou de uma dúzia a alguns milhares no país. E cada vez mais estudantes se interessam pelo tema.
A Associação Suíça Médica para a Acupuntura e Medicina Chinesa não dispõe de estatísticas, mas registra 500 consultórios especializados no tema.
Tradições sem importância?
Apesar da recepção efusiva do Prêmio Nobel na China, o professor Wang critica. “Esse prêmio não é necessariamente algo positivo para a medicina tradicional chinesa. Possivelmente pode levá-la a um beco sem saída.”
Como Tu chegou ao Prêmio Nobel através de métodos experimentais associados à medicina tradicional, “é possível que ela seja influenciada pela medicina ocidental”, diz e complementa. “E isso pode fazer com que a política chinesa em relação à medicina tradicional mude, fazendo com que o Estado apoie cada vez mais, financeiramente e politicamente, a pesquisa de laboratório”. Wang alerta: “Tentar analisar a medicina tradicional, com seu caráter holístico, com o reducionismo da medicina ocidental, é como se fosse condená-la a pena de morte!”
O Artemisinin salvou até hoje milhões de vidas. A sua importância não pode ser vista apenas através do prisma de um Prêmio Nobel. Youyou Tu é uma acadêmica ou não? A pergunta – se sua descoberta é um medicamento da medicina tradicional ou da medicina moderna – é verdadeiramente importante? O professor Wang relativiza: “Se não houver mais doenças, então a questão de saber quem deve receber o Prêmio Nobel também seria obsoleta.”
Malária e Suíça
A Suíça participa na luta contra a malária através de diversos projetos.
Em 1948 o químico suíço Paul Hermann Müller pesquisou os efeitos do inseticida DDT no combate à malária. Graças ao seu trabalho, Müller recebeu o Prêmio Nobel de Química.
O Instituto Suíço de Saúde Pública e Tropical (Swiss TPH) foi a primeira instituição no mundo a aplicar o Artemisinin em tratamento de crianças na África.
Adaptação: Alexander Thoele