Ele não escolheu ser ator, mas, hoje, 9 anos depois de ter sido descoberto por uma diretora de casting em Lausanne, Kacey Mottet Klein tem certeza de que cinema é o que quer fazer pelo resto da vida. Aos 16 anos, ele já tem parte dessa história registrada. É que um curta-metragem de Ursula Meier, que o dirigiu nos seus primeiros filmes, registra o início e a evolução do jovem artista suíço.
Kacey Mottet Klein no CineSESC durante o 26º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo .
(Aline Arruda)
O filme “Kacey Mottet Klein – O nascimento de um ator” foi um dos destaques do 26º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, exibido em salas como o CineSESC, onde ele esteve presente, em agosto, apresentando o trabalho e falando um pouco sobre sua carreira. A ideia surgiu enquanto Ursula rodava o segundo filme com ele. Apesar de sentir um certo incômodo ao descrever o personagem, o que para ele soa meio egocêntrico, Kacey se diz feliz de poder ver a evolução do seu próprio amadurecimento como ator.
Mas as mudanças não afetaram a personalidade dele, como garante sua irmã Laurine Mottet, que o acompanhou na viagem ao Brasil. "É o que ele gosta e nos sentimos felizes por ele", diz. Segundo ela, embora a carreira de Kacey tenha começado muito cedo e sem ter sido planejada, a família o apoia nas decisões, até mesmo quando ele deixou a escola para se dedicar completamente ao cinema. Para ele, a formação acadêmica não faz a menor diferença nesse momento da sua vida. A sua busca por conhecimento está mais voltada para a observação e o convívio com as pessoas. Interação que sua irmã afirma não ter mudado em nada. "Vemos nesse filme o crescimento dele como ator, mas ele continua a mesma pessoa, continua tendo como programa preferido comer pizza com os amigos", brinca.
swissinfo.ch: Nesta sua primeira viagem ao Brasil, São Paulo, e estreia no festival, quais suas impressões sobre o evento e a cidade?
Kacey Mottet Klein: Este é um festival muito diferente, as pessoas ficam mais próximas uma das outras, não há todo aquele esquema voltado para as celebridades, parece mais familiar, gostei muito. Quanto ao filme, fiquei feliz de ter sido bem recebido pelo público. É um filme muito particular, porque fala de uma pessoa somente. Me sinto até estranho de falar porque parece até um pouco egocêntrico. É um filme que mostra a evolução de um processo, a construção de um "personagem", eu mesmo. Na verdade, não é sobre mim, mas sobre a minha carreira e como isso evoluiu. O curta fala de dois filmes da Ursula Meier, em que eu atuei com dois personagens diferentes. Então, é a evolução desse crescimento como ator que por sua vez caminha paralelamente com o meu crescimento pessoal.
swissinfo.ch: E qual a sua percepção dessa evolução?
KMK: É muito particular falar sobre isso, quase incômodo até, por falar muito de mim mesmo. É a minha vida, meu trabalho. É como se eu assistisse a minha própria vida. No primeiro filme eu tinha 7 anos, e fazer foi como se fosse uma brincadeira. Depois disso, a atuação se torna uma profissão. Eu fico feliz em poder ver essa mudança.
swissinfo.ch: Como você entrou na profissão?
KMK: Foi um casting "selvagem", eles me acharam na rua, observando crianças. Eu tinha as características que eles precisavam e me chamaram.
swissinfo.ch: Você chegou a largar a escola aos 15 anos para ser ator. Como a sua família reagiu a mudanças desse tipo?
KMK: Sim. Eu tive de parar um pouco para continuar com o cinema. Incialmente minha mãe não vibrou, mas sabia que era o que eu queria, me apoiou e aceitou. Ela sabe que quando quero uma coisa… Mas também o sistema de educação na Suíça é diferente, há a possibilidade de se retomar os estudos quando se queira. Mas, sim, tive de reorganizar a minha vida escolar em função do cinema.
swissinfo.ch: O que passava na sua cabeça quando fez o primeiro filme?
KMK: Não tinha ideia de que estava fazendo cinema. Quando fui selecionado, era como se fosse uma brincadeira. Na verdade, me diverti muito. Tive de filmar andando de bicicleta em uma autoestrada. Quando se tem 7 anos e se pode andar de bicicleta em uma autoestrada é muito bom.
swissinfo.ch: Que outras coisas lhe marcaram nesse início de carreira?
KMK: A cada nova experiência eu amadurecia muito como pessoa. Aprendi muito com os profissionais com os quais atuei. Tenho também lembranças muito emotivas das atrizes que assumiam o papel de minha mãe em cada filmagem, como Isabelle Huppert e Mathilde Seigner, que se tornaram minhas amigas depois.
swissinfo.ch: Os diretores do filme suíço "Tapis Rouge", que também estiveram no Brasil recentemente, disseram que é difícil fazer cinema na Suíça. Você concorda?
KMK: Realmente, é muito complicado fazer cinema na Suíça. O dinheiro para cultura é normalmente mais voltado para outras áreas. Comparando com a França, por exemplo, os meus amigos da minha idade que também são atores conhecem muito mais de cinema do que eu mesmo, porque há uma cultura cinematográfica muito maior do que na Suíça.
swissinfo.ch: Você começou aos 7 anos e hoje tem 16 anos, o que você planeja para os próximos dez anos?
KMK: Eu sei que cinema é o que quero fazer da vida, mas quero conquistar tudo pouco a pouco, com os pés no chão, por isso não faço projeções longas.
swissinfo.ch: Qual o próximo trabalho?
KMK: Será lançado em fevereiro o filme "Quand on a 17 ans", do diretor André Techiné, do qual gostei muito de ter participado. Fiquei muito envolvido, foram seis meses de muito trabalho.
swissinfo.ch: E teatro?
KMK: Nunca fiz, só na escola como todo mundo. É uma linguagem muito diferente. Gostaria muito de fazer, mas preciso ter mais experiência, por isso, por enquanto não pretendo fazer.
swissinfo.ch: E televisão?
KMK: Não me interessa muito. Acho perigoso até. Depende muito da produção. Na Europa, a televisão não é vista de uma maneira muito positiva, não é algo que me gere muito interesse.
swissinfo.ch: Você já pode viver hoje do seu trabalho no cinema?
KMK: Ainda não. Quando estou na Suíça, moro com minha família, mas quando fico na França sozinho ainda não é suficiente.
swissinfo.ch: Os filmes produzidos na Suíça francesa são bem distribuídos nas demais regiões, como na Suíça alemã?
KMK: Sim. Inclusive este último filme (“L 'enfant d'en haut/Sister” ou “Winterdieb”, em alemão), foi mais visto na Suíça alemã do que na região francesa.
swissinfo.ch: Do que mais gostou na sua vinda aqui?
KMK: Gostei de participar do festival, que é muito importante para divulgar o nosso trabalho, senão tudo fica muito limitado à própria Suíça. Mas o que mais gostei foi das pessoas, da maneira como são calorosas, da forma como fui acolhido, da interação com todo mundo. Logo que soube que viria a São Paulo, pensei que talvez não fosse gostar, que fosse ser difícil a cidade, mas agora me sinto habituado e vou sentir falta. Queria agradecer a São Paulo.
swissinfo.ch: Algum lugar em especial?
KMK: Eu vi a cidade do alto e me dei conta do que é um lugar com mais de 11 milhões de habitantes. Mas, ao mesmo tempo, senti como uma cidade pequena, acolhedora, encontrei pessoas no mercado, na rua…
swissinfo.ch: Você já comentou o quanto essa interação com as pessoas é importante para você como ator. Não sente falta de outras referências, até por ter deixado a escola?
KMK: A escola é apenas um lugar para formar pessoas e colocá-las dentro de um sistema em função dos objetivos do Estado. Mas de qualquer forma, se um dia eu parar com o cinema, na Suíça sempre há a oportunidade de se recuperar isso de alguma forma. Há outras maneiras também de obter conhecimento. Claro que perco conhecimentos específicos, sei lá, de matemática, por exemplo. Mas minhas referências vêm da observação e do relacionamento com as pessoas. Minha forma de aprender mais importante é estar nas ruas, observar, sentar numa mesa e conversar com pessoas. Uso as ruas como um laboratório. Minha escola é a vida.
Filmes:
Próximo lançamento:
Quand on a 17 ans (do diretor André Techiné)
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