Holandês de origem, mas crescido no Brasil, o cineasta Mendel Hardeman levou sete anos para realizar um documentário cinematográfico sobre o líder religioso Antônio Conselheiro e a Guerra de Canudos, uma história que o fascina desde a infância. swissinfo entrevistou-o em Berna.
Cena do filme "O Mar de Antônio Peregrino" rodada no sertão da Bahia.
(Cortesia)
Poucos são os brasileiros que já leram esse clássico da literatura brasileira. "Os Sertões" é rico em figuras de linguagem e regionalismos, que funcionam muitas vezes como uma barreira para as pessoas acostumadas aos romances mais leves. Porém a obra do jornalista Euclydes da Cunha revela um episódio emblemático da história brasileira, a Guerra de Canudos (1896-1897), o confronto entre os integrantes de um movimento popular liderado pelo líder religioso Antônio Conselheiro e tropas militares enviadas pelo governo. A guerra terminou com a destruição do vilarejo de Canudos e a morte do líder e da população, em grande parte sertanejos miseráveis.
Mendel Hardeman descobriu a história quando ainda era criança na escola. O holandês de 38 anos emigrou com a família aos oito anos para o Paraná, no sul do Brasil. Depois de terminar o segundo grau, retornou para a Holanda onde se formou e iniciou uma carreira de cineasta e músico. Ele se lembra que conseguiu ler o livro aos 12 anos e nunca mais deixou de pensar em Antônio Conselheiro (escutar áudio).
Mendel Hardeman fala sobre o filme e as mudanças vividas em Canudos
Ao retornar ao Brasil em 2008 com a esposa, a alemã Susanne Dick, 39, os dois decidiram conhecer Canudos, a região no chamado Polígono das Secas no sertão da Bahia, com 17 mil habitantes. Foi o estopim para a ideia de realização do filme. "Desci do ônibus e me apaixonei na hora, me senti em casa. Foi como se esta história estivesse me chamando", conta.
Depois o casal retornou mais cinco vezes à região, onde realizou as filmagens do "O Mar de Antônio Peregrino". Nelas são entrevistadas habitantes dos vilarejos próximos ao açude de Cocorobó, que cobriu de águas o arraial de Canudos em 1969, a segunda "destruição" do mítico vilarejo. Períodos de seca entre 1994 e 2000 e, mais recentemente, a partir de 2010, fizeram com que as ruínas fossem vistas no interior do açude.
Muitos idosos ainda guardam lembranças de Canudos. Alguns as transmitem em formas de versos e canções. Porém os dois cineastas não se limitam a falar do passado. O filme mostra também que os problemas sociais e econômicos das regiões ainda são graves. A falta de água e doenças endêmicas continuam sendo um desafio para a vida local. Na última viagem à Canudos, Mendel, Susanne e a filha adoeceram da febre Chikungunya.
Na última viagem ao Brasil, Mendel estreou o filme no Brasil em uma exibição em praça pública, em 18 de setembro de 2015, em Canudos Velho. Para a população presente, foi um momento marcante. "Muitas delas nunca havia assistido um filme na vida. Ao mesmo tempo, elas ficaram muito emocionadas de se ver retratadas na tela.
Para divulgar o seu trabalho, o cineasta holandês-brasileiro organiza apresentações itinerantes para grupos interessados. Dessa forma, Mendel organizou uma agenda com mais de dez exibições previstas para ocorrer Holanda, Alemanha, Suíça e Áustria no início de 2016. A todos lembra a frase de Antônio Conselheiro – "O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão", uma premonição que terminou virando realidade, em suas palavras.