A reciclagem do plástico passa pela Suíça, mais precisamente pelo povoado de Sihlbrugg, onde nada se perde, tudo se transforma. O vilarejo, às margens dos rios Sihl, Lorzen e aos pés dos Alpes, abriga uma pequena fábrica-piloto, capaz de converter os sacos de plástico em óleo mineral. O processo pioneiro tem emissão zero na atmosfera. Ela é a única fábrica deste tipo no mundo.
A reciclagem do plástico poderia evitar cenas como essa.
(Y. Horisberger/Oceancare)
Uma unidade de última geração será aberta em Basel-Mulhouse, na fronteira entre a Suíça e a França, na primavera de 2016. Foram dez anos de testes e de evolução tecnológica para atender as exigências das normas europeias de elevado padrão de qualidade do combustível.
Empresas de reciclagem e administrações municipais analisam a possibilidade de ter, ao custo de 24 milhões de euros, uma planta completa, capaz de limpar o meio ambiente, gerando energia e combustível. A linha de montagem é um conceito elaborado pela companhia suíça Diesoil Engeneering AG, da cidade de Thun.
A ideia da moderna planta industrial vem da economia circular (criação de um produto a partir de sua reutilização, desde o começo do projeto), tendência mundial. Assim, fica mais fácil controlar e dar nova vida a um objeto, conceito evoluído da reciclagem, agora sob uma forte ótica também de rendimento financeiro.
Difícil imaginar que um ordinário saco plástico de supermercado possa equivaler a uma preciosa gota de óleo. Não se trata apenas de espremer o primeiro para obter o segundo, mas quase. Aqui foi inventado um complexo sistema para reciclar completamente uma das maiores causas de poluição em terra e no mar.
O óleo e o plástico têm em comum a mesma fonte, o petróleo. Tratava-se de voltar às origens, através de uma alquimia especial, alterando a temperatura e a pressão do produto final, em condições ideais. Na nova vida, o plástico se transforma em parafina, cera, nafta, querosene, gasolina.
Processo
O plástico é descarregado na fábrica. “O primeiro passo é triturar e descontaminar. Os resíduos orgânicos e químicos são separados para uma reciclagem paralela, como a transformação em biomassa”, explica para swissinfo.ch Pascal Bernhard, da Diesoil.
Para derreter o plástico é preciso usar a menor temperatura possível. Em seguida o material líquido entra num reator e as moléculas do produto fragmentado são separadas e vaporizadas.
A vantagem foi impedir que nenhum gás tivesse mais de 22 átomos de carbono por molécula e nem menos de 5. O resultado final é o resfriamento que causa a condensação dos hidrocarbonetos, por exemplo, na faixa entre C5-C8, deixando-os prontos para a destilação.
Os passos finais são a liquefação e a filtragem. A triagem, a limpeza e a preparação no começo do processo garantem um produto de alta qualidade, sem a contaminação de ingredientes indesejados no meio ambiente nem nos novos derivados originados do plástico decomposto.
O cloro e o enxofre são algumas das principais “impurezas”, efeitos colaterais deste processo de purificação dos resíduos plásticos. Um pequeno percentual excedente permanece na forma gasosa e é usado na alimentação elétrica da máquina.
Assim, todo o ciclo registra zero emissão na atmosfera. “Esta é a diferença dos nossos concorrentes, não deixamos nenhum carvão residual no reator, ao contrário dos outros e que precisam limpá-los, interrompendo o processo”, explica Markus Stickel, gerente de vendas externas.
A diferença está na preservação do meio ambiente, além do ganho financeiro. Cientistas italianos, químicos americanos, pesquisadores indianos e engenheiros japoneses já chegaram à transformação do plástico em combustível, com diferentes processos. Mas as semelhanças terminam aí.
Economia verde
“O processo foi criado para “desconstruir”, destilar o polietileno principalmente. Ou seja, refere-se às embalagens de alimentos e de produtos em geral e isolantes de fios. E geral, pode ser aplicado em zonas urbanas com cerca de 300 mil habitantes”, explica Markus Stickel. Eles são responsáveis por 39,5% do total da produção industrial da resina plástica, segundo dados do último relatório das entidades Plastics Europe e Epro ( European Plastics Recycle Organization).
Ficam de fora as garrafas PET. Elas já são recicladas com alto valor de mercado. Mesmo assim, os subprodutos são de baixa qualidade e as partes excedentes são expedidas em aterros sanitários. A montanha de lixo nas colinas de Madras, na Índia, é um deles, segundo denúncia da ong americana The Stuff Project.
“Mas delas tiramos e usamos as tampas e os rótulos”, explica para swissinfo.ch Pascal Bernhard. Ele ressalta a eficiência de um ciclo fechado, completo, mas reconhece a dificuldade do acesso logístico ao material. Normalmente ele acaba incinerado ou despachado para terras distantes e contaminadas.
A conversa ocorre diante do estande suíço da Diesoil, na feira Ecomondo, em Rimini, Itália. Ela é a segunda maior da Europa quando o tema é reciclagem. Aqui chegam clientes de todo o mundo para comprar ideias e máquinas capazes de reciclar o lixo urbano.
O estande suíço chama a atenção pela quantidade de gente ao redor. “O que as pessoas jogam fora, sem saber ou sem ter onde colocar, para nós significa energia e dinheiro. Uma vez resolvida a questão da logística todos irão acordar para este potencial”, comenta Pascal Bernhard sobre a coleta diferenciada nas cidades grandes, na frente de uma fila de interessados na fábrica.
Com paciência de chinês e gestos de italiano, este suíço explica aos brasileiros, sul-coreanos, árabes e húngaros que uma tonelada de matéria plástica representa 850 litros de combustível, a um custo estimado de produção em torno dos 27 centavos de euro por litro. No mercado, dependendo do uso e do grau de refino, o mesmo óleo vale de 0,55 centavos a quase 2 euros.
Na Europa, as lixeiras recebem 8 milhões de toneladas anuais, somente de plástico, 30% do total. A presença de aterros sanitários inibe a política de incentivo à reciclagem. Onde eles são proibidos, como na Suíça, o mercado verde floresce mais rapidamente. Desperdiça-se uma riqueza suja e pronta para se tornar limpa.
A melhor manneira de transformar plástico em combustível.
(zvg)
Meio ambiente
Só a Europa produz cerca de 25 milhões de toneladas anuais, pouco menos de 10% do total em todo o mundo. Apenas entre 1975 e 2012, a produção de resina plástica cresceu 620%.
Hoje o plástico domina o comércio global. Difícil imaginar a vida sem ele. Mas a produção intensiva e a falta de conscientização do consumidor cobram um preço alto.
A ong suíça OceanCare, consultora da ONU, estima que 100 milhões de toneladas de plástico flutuam nos mares, com um aumento anual da ordem de 8,8 milhões. “Por um lado, existem ações para melhor educar as pessoas sobre o uso e o descarte dos plásticos. Por outro, existem várias ações para melhorar a gestão dos resíduos. Há muito trabalho ainda a ser feito em escala global”, afirma para swissinfo.ch Silvia Frey, diretora de ciência e educação de OceanCare.
No relatório 2015 “Plastic waste inputs from land into the ocean”, – na revista Science Magazine – aponta 192 países industriais e costeiros como origem do plástico despejado no mar. Eles abrigam 93% da população mundial.
Os rios e as enxurradas arrastam 80% deste material para o mar. As marés, as correntes e os ventos se encarregam desta diáspora plastificada pelos três oceanos.
A grande maioria de todo esse plástico transforma o planeta numa imensa lixeira, em terra e no mar. A China é a maior produtora com 26%, seguida da Europa e dos Estados Unidos. Quase a metade é fabricada no continente asiático.
As águas do Pacífico Norte possuem ilhas gigantescas de plásticos flutuantes. Pela ação de elementos naturais, como o sol e as ondas, eles se decompõem em partículas cada vez menores.
Os peixes, os mamíferos marinhos, as tartarugas e as gaivotas não distinguem um saco plástico de uma medusa, um plâncton de um microplástico, pedaços com menos de 5 milímetros de diâmetro, praticamente invisíveis. A “introdução” do plástico na cadeia alimentar representa um dano grave à proteção das espécies, a humana inclusive.
A transformação do plástico em óleo diminuiria esse problema? Para a doutora Silvia Frey, esta solução é parcial: “naturalmente, isso é uma forma de valorizar o material e, portanto, torná-lo mais atraente para a coleta. Melhor seria eliminar, progressivamente, o uso de artigos descartáveis, através da reeducação, com conselhos simples”, ressalta ela.
Um estudo recente de pesquisadores belgas analisou 670 peixes daquela região. Constatou-se a presença de fragmentos no estômago (derivados da decomposição dos polímeros usados em cosméticos, por exemplo) de 33% do pescado.
“Eu não me surpreendi com este problema até mesmo no lago de Genebra, descoberto neste ano, e sabemos que o rio Danúbio também contém este tipo de plástico”, alerta a doutora Silvia Frey.
Apenas uma pequena parte dessa matéria plástica é reciclada com eficiência. O resto é incinerado ou enterrado em aterros sanitários nocivos à saúde pública. A decomposição natural pode levar até 500 anos, tempo longo demais para as próximas gerações de homens e peixes.
Curiosidades:
A empresa Diesoil Engeenering AG tem 20 empregados e 10 representantes espalhados pelo mundo.
Uma planta industrial completa custa 24 milhões de euros.
A construção da planta industrial leva de 12 a 18 meses, depois da autorização local.
Dois processos de viabilidade estão abertos.
A viabilidade exige uma coleta mínima diária de 60 toneladas de plástico do tipo poliolefina (polietilenos, polipropilenos), cerca de 20 mil toneladas por ano.
A matéria prima provém do lixo urbano, de hotéis, da indústria, de navios de cruzeiro, de catering, de aeroporto.
Sem custos, avalia-se a qualidade do plástico contido numa amostra de 10 a 15 quilos. Se estiver abaixo de 70% de poliolefina é preciso pesquisar mais.
A primeira destilação exige meia tonelada de matéria prima
Depois o cliente assiste à transformação do plástico em óleo.
Se esta etapa é positiva faz-se o teste final com 10 toneladas para checar a qualidade e a produção do óleo.
A Suíça produz cerca de 1 milhão de toneladas de plástico por ano, 125 quilos por pessoa.
swissinfo.ch