Tal como Macbeth, os decisores políticos tendem a cometer novos pecados para ocultarem os seus delitos anteriores. E os sistemas políticos provam o seu valor pela rapidez com que põem fim aos erros, em série e que se reforçam mutuamente, das políticas dos seus responsáveis. À luz deste critério, a zona euro, que inclui 19 democracias estabelecidas, representa a maior economia não-democrática do mundo.
(swissinfo.ch)
Câmbio apenas fortaleceu a determinação dos líderes da UE em apoiá-lo. Quanto mais o esquema era exposto como insustentável, mais afincadamente os responsáveis se agarravam a ele – e mais optimistas eram os seus relatos. O “programa” Grego é só mais uma encarnação da inércia política cor-de-rosa da Europa.
Os últimos cinco anos de política económica na zona euro têm sido uma notável comédia de enganos. A lista de erros políticos é quase interminável: aumentos das taxas de juro pelo Banco Central Europeu, em Julho de 2008 e novamente em Abril de 2011; imposição da mais dura austeridade, às economias que enfrentam a pior recessão; sábios tratados que defendem a competitividade criada por desvalorizações internas e conseguida à custa de outros países (NdT: no original, beggar-thy-neighbour); e uma união bancária, à qual falta um esquema apropriado de seguros de depósito.
Como podem os responsáveis políticos Europeus sair impunes? Afinal, a sua impunidade política contrasta vivamente não apenas com os Estados Unidos, onde os dirigentes são pelo menos responsáveis face ao Congresso, mas também com a China, onde se poderia pensar que os dirigentes são menos responsabilizáveis que os seus homólogos Europeus. A resposta reside na natureza fragmentada e deliberadamente informal da união monetária da Europa.
Os dirigentes Chineses podem não ter de responder a um parlamento democraticamente eleito ou a um congresso; mas os dirigentes governamentais têm um órgão unitário – o comité permanente de sete membros do Politburo – a quem devem responder pelos seus erros. A zona euro, por outro lado, é governada pelo oficialmente oficioso Eurogrupo, que compreende os ministros das finanças dos estados membros, mais os representantes do BCE e, em discussões de “programas económicos nos quais está envolvido”, o Fundo Monetário Internacional.
Só muito recentemente, como resultado das intensas negociações do governo Grego com os seus credores, é que os cidadãos da Europa perceberam que a maior economia do mundo, a zona euro, é gerida por um órgão a que faltam regras procedimentais escritas, que debate assuntos cruciais “confidencialmente” (e sem produzir actas), e que não está obrigado a responder a qualquer órgão eleito, nem mesmo ao Parlamento Europeu.
Seria um erro pensar no impasse entre o governo Grego e o Eurogrupo como um confronto entre a esquerda Grega e a maioria conservadora da Europa. A nossa “Primavera de Atenas” tinha a ver com algo mais profundo: com o direito de um pequeno país Europeu a desafiar uma política fracassada que estava a destruir as perspectivas de uma geração (ou duas), não apenas na Grécia, mas também por toda a Europa.
A Primavera de Atenas foi esmagada por razões que nada tiveram a ver com a política de esquerda do governo Grego. Uma vez após a outra, a UE rejeitou e denegriu políticas de senso comum.
A prova A é constituída pelas posições dos dois lados relativamente à política fiscal. Como ministro das finanças da Grécia, propus uma redução da taxa do imposto sobre transacções, do imposto sobre os rendimentos, e do imposto sobre as sociedades, para alargar a base de tributação, e dar um estímulo à exangue economia da Grécia. A UE, por outro lado, exigiu – e impôs – aumentos em todas as três taxas de imposto.
Então, se a briga da Grécia com os seus credores Europeus não foi um impasse esquerda-direita, foi o quê? O economista Americano Clarence Ayres escreveu uma vez, como se descrevesse os dirigentes da UE: “Eles elogiam a realidade, conferindo-lhe um estatuto cerimonial, mas fazem-no com o objectivo de validar o estatuto, e não de conseguir a eficiência tecnológica”. E saem impunes, porque os decisores da zona euro não são obrigados a responder a qualquer órgão soberano.
Compete àqueles de nós que desejam melhorar a eficiência da Europa, e diminuir as suas injustiças grosseiras, trabalhar no sentido de re-politizar a zona euro, como um primeiro passo no sentido da sua democratização. Afinal, a Europa não merece um governo que seja pelo menos mais responsabilizável do que o da China comunista?
(Artigo originalmente publicado no site Project Syndicate)
Ponto de vista
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Traduzido do inglês por António Chagas,
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