A Suíça pode fazer mais para coibir os extremistas islâmicos. As mesquitas necessitam acompanhar mais intensamente os jovens muçulmanos em risco de radicalização e o Estado precisa ter instrumentos mais eficazes para identificar os jihadistas que retornam ao país. É o que considera a especialista Miryam Eser Davolio, entrevistada pela swissinfo.ch
Flores depositadas nos locais por onde atravessaram balas nos atentados de sexta-feira.
(Keystone)
Miryam Eser Davolio é pesquisadora do Instituto de Ciências Aplicadas da Escola Superior de Zurique (ZHAW). Dentre outros, coordena um novo estudo sobre a radicalização dos jovens na Suíça.
Aproximadamente setenta casos de radicalização jihadista estão sendo investigados na Suíça e há mais de vinte processos penais em andamento. Na última sexta-feira (13.11), três atentados reivindicados pelo Estado Islâmico provocaram a morte de 129 pessoas e feriram outras 350. O presidente francês François Hollande falou em um "ato de guerra".
Na entrevista dada para o jornal "SonntagsBlick", Ueli Maurer declarou que os atentados em Paris aumentaram o nível de risco para a Suíça. O ministro suíço da Defesa também declarou que um ataque terrorista contra o país não era mais "algo abstrato, mas sim possível".
swissinfo.ch: Ueli Maurer afirmou que o maior perigo vem dos "lobos solitários", ou seja, pessoas que vivem na Suíça e compartilham os ideais do Estado Islâmico. Qual é a importância dessa ameaça?
Miryam Eser Davolio: Penso que os lobos solitários necessitam de apoio para organizar uma ação e também de pessoas que compartilhem suas ideias para convencê-los que estão no bom caminho. Na Suíça, isso ocorre em uma escala muito reduzida. Em todo caso, essa é a minha impressão pessoal após as entrevistas feitas com pessoas desses grupos.
Aqui a situação é muito heterogênea. Não é como na França, onde existem certas teorias de conspiração e a raiva contra a exclusão ou o desemprego nos bairros desfavorecidos.
Na Suíça existe também um problema de desemprego entre os jovens muçulmanos, especialmente nos cantões de Genebra e do Ticino, onde o afluxo de trabalhadores pendulares provoca uma forte competição no mercado de trabalho. Lá percebemos situações delicadas para os jovens muçulmanos. O problema pode piorar, mas tudo depende se essas pessoas tiverem uma chance de se integrar.
swissinfo.ch: A Suíça aumentou as medidas de segurança para lutar contra o terrorismo como o reforço dos serviços de inteligência ou da legislação relativa aos controles de segurança. Porém é possível que um ou outro tenha conseguido passar despercebido?
M.E.: Não acredito, já que existe um controle bastante forte nas redes sociais e internet. Mas em alguns casos, os serviços de inteligência estão muito ocupados como mostrou o último relatório do TETRA (n.r.: as forças especiais do Departamento Federal de Polícia para coordenar a luta contra os terroristas viajantes – TErrorist TRAvellers). Nele é mencionado um caso onde era necessário transcrever 25 mil páginas de comunicações em linha para um só indivíduo. E quando você sabe que essas conversações foram feitas em outros idiomas e que tudo precisa ser traduzido, dá para imaginar a quantidade de trabalho necessária para rastrear essas pessoas.
swissinfo.ch: A Polícia Federal e o governo consideram uma possível interdição de viagem para prevenir e combater a radicalização jihadista na Suíça. Essas são medidas eficazes?
M.E.: Penso que isso ajude se alguém quiser partir. É importante aplicar medidas para reter essas pessoas. Mas é apenas uma medida dentre outras mais que precisamos refletir.
É muito importante também aconselhar essas pessoas, suas famílias e seus amigos. Como também vimos em outros países na Europa, é importante também apoiar as pessoas que estão em contato com os mais jovens para que possam conversar com eles e trabalhar em cima de suas ideias.
swissinfo.ch: Qual é a eficácia da colaboração entre a polícia e as associações muçulmanas ou representantes dessa religião para identificar possíveis sinais de radicalização e denunciar os suspeitos?
M.E.: Isso varia segundo os cantões. Em Zurique existe uma pessoa que faz a ponte e que está em contato com as diferentes comunidades muçulmanas. Em St. Gallen existe uma mesa-redonda para as religiões e que está em contato com os imames e os grupos muçulmanos. Nesse mesmo cantão, sete imames fizeram uma formação complementar abordando a questão da integração, a vida na Suíça e a radicalização.
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Em Genebra, os imames colaboram e fazem um bom trabalho de integração. As notícias recentes de que dois jovens tenham se radicalizado na mesquita de Genebra, e depois partiram em direção à Síria, foi um choque para muitos.
swissinfo.ch: A chefe da Polícia Federal declarou que a ideia de pessoas que se radicalizam nas mesquitas, ou dentro das organizações muçulmanas, seria um "estereótipo". Então como ocorre na verdade esse processo?
M.E.: Segundo as informações dos serviços de inteligência, parece que a maioria dessas pessoas se radicalizaram através da internet ou dos amigos. As mesquitas funcionam, ao contrário, mais como instituições de prevenção. As pessoas com ideias extremistas, e que frequentam as mesquitas, são bastante controladas. Elas são orientadas a não mais escutar essas propagandas disseminadas através da internet.
As organizações muçulmanas têm um papel bastante importante em termos de prevenção. Mas quando são confrontadas a pessoas radicalizadas, elas têm medo. Elas não querem ter uma imagem negativa e fecham então as portas a esses jovens, deixando de ter uma influência sobre eles. Porém essas organizações poderiam fazer mais, mas para isso é preciso dar um apoio maior a elas no seu papel de aconselhadores das pessoas em risco.
swissinfo.ch: Muitos países criaram programas para lidar com os jihadistas que retornam ao país. Em fevereiro, o relatório da TETRA afirmava que a Suíça não está fazendo o suficiente nessa área. O que você acha?
M.E.: Atualmente não há nada. É importante ter mentores que possam entrar em contato com esses jovens. A falta de experiência representa um obstáculo. Talvez seja necessário ir à Alemanha, Grã-Bretanha, Dinamarca ou à Noruega para ver como as autoridades locais trabalham com essas pessoas.
Na Suíça o problema não é tão grave, mas há casos de pessoas que retornaram. A questão é de saber o que fazer com esses jovens para lhes trazer de volta à sociedade.
swissinfo.ch: Quais são os outros pontos fracos e fortes na estratégia suíça contra o jihadismo?
M.E.: Um dos pontos fracos é de não enfrentar o tema da islamofobia, contrariamente ao que ocorre na Alemanha. Isso é uma questão muito importante.
A propaganda do Estado Islâmico se baseia na teoria segundo a qual os muçulmanos são estigmatizados, excluídos e humilhados nos países ocidentais. Se isso ocorre de verdade, seja através da islamofobia e de posições políticas, a polarização só pode piorar, lançando assim sementes para uma nova radicalização.
Adaptação: Alexander Thoele,
swissinfo.ch