“A demanda por democracia nunca foi tão grande”

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Diante da ameaça que o terrorismo representa, as liberdades individuais têm que ser mantidas, afirmou o ex primeiro ministro belga Yves Leterme à swissinfo.ch. O desenvolvimento democrático em países como a Tunísia, Myanmar e o Nepal fazem com que o secretário-geral do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (IDEA Internacional) esteja otimista.

 Yves Leterme, secretário-geral da IDEA. (Reuters)

Yves Leterme, secretário-geral da IDEA.

(Reuters)

swissinfo.ch: O IDEA Internacional foi criado há 20 anos como uma organização intergovernamental para promover a democracia no mundo. Como este fomento funciona concretamente?

Yves Leterme: Realizamos pesquisas científicas e, baseados nos resultados das pesquisas, apoiamos os países membros na implementação política de medidas para a promoção da democracia. A pesquisa de base é realizada por cerca de 60 a 70 pessoas alocadas no nosso escritório central, em Estocolmo.

Temos quatro campos de atuação que oferecemos como parâmetro a estes 20 ou 25 países que se encontram em crise política ou que estão tentando implementar um processo de democratização. Nestes casos não oferecemos apoio em forma de conhecimentos especiais. Por exemplo na Bolívia, Jemen, Nepal ou em Myanmar, apoiamos concretamente a construção da democracia em um processo que culmina em eleições e inclui a elaboração de uma constituição, a organização dos partidos e o desenvolvimento social e econômico.

swissinfo.ch: Nos últimos anos, a democracia moderna registrou retrocessos em vários lugares do mundo. Basta pensar no Oriente Médio, norte da África ou na Ásia. Isso significa que os esforços da IDEA para fortalecer o poder do povo falharam?

Y. L. : Não, não creio. Os países nas regiões que você mencionou não são democráticos. Por isso não há retrocessos no que concerne à democracia.

Em países como Iraque, Síria, Líbia e outros ainda não conseguimos implementar instituições verdadeiras, muito menos processos para que o povo eleja seus políticos. Este trabalho ainda está para ser feito.

Mas, em geral, vejo sinais encorajadores na Tunísia, em Myanmar e no Nepal.

swissinfo.ch: O IDEA não tem uma atuação normativa. Atua mais de forma descritiva, por exemplo editando manuais sobre problemas importantes ou oferecendo módulos de formação para legisladores e autoridades eleitorais. Que lições vocês aprenderam destes esforços internacionais?

Y.L.: Quando falamos de democracia e de sua construção, temos que ter em mente que democracia não é algo que se possa simplesmente exportar da Suécia ou da Suíça para estes países. Pode-se ajudar a democracia.

Procuramos apoiar e colaborar com estes países na construção de uma democracia duradoura. O ponto de partida tem que ser sempre uma vontade genuína de democratizar o país. Jamais iremos prescrever algo ou fazer pressão. A opinião pública e a liderança política, ou seja, todos aqueles que desejam a mudança política, têm que realmente assumir o compromisso da democracia. Só então confirmamos o apoio.

swissinfo.ch: Há dez anos a Suíça é membro do IDEA e este ano está na presidência do instituto. A Suíça, com seu sistema de democracia representativa, possui instrumentos participativos abrangentes. Cada vez mais países no mundo possuem estes instrumentos. Que lições sobre a democracia direta moderna o mundo pode aprender com a Suíça?

Y.L.: A Suíça é modelo e exemplo em vários aspectos que são admirados no mundo todo. Algo que pesquisamos aqui em Berna foi a responsabilização (accountability, em inglês), a capacidade de se responsabilizar e de prestar contas e, mais especificadamente, como isso se organiza a nível nacional, estadual e municipal.

Em muitos países, democracia significa que a cada quatro ou cinco anos ocorrem eleições. Mas não há processos que regulamentem a responsabilização e a prestação de contas entre uma eleição e outra. Na Suíça, opta-se por votações populares frequentes e pelo princípio de que o poder político principal está, de antemão, a nível municipal. Estes princícios são uma fonte de inspiração para outros países.

Mas eu repito: não se pode adotar o modelo suíço tal e qual ele se apresenta na Suíça. É necessário tirar conclusões próprias e tentar adotar algumas ideias, mas adaptando-as para as particularidades do outro país.

swissinfo.ch: O IDEA Internacional publicou um manual sobre a democracia direta e mantém um grande banco de dados sobre diversas possibildades de participação do povo. Como vocês pretendem ampliar esta oferta num futuro próximo?

Y.L.: No momento estamos introduzindo as chamadas “best practises” (as melhores experiências) e exemplos de boas medidas em relação ao uso de novas tecnologias. É claro que as pessoas, especialmente os mais jovens, querem utilizar as novas tecnologias de informação para participar da política.

Mas ainda há muito o que fazer. Apresentamos recentemente propostas para o autocontrole voluntário dos debates nas redes sociais. Os novos meios tecnológicos podem ser um complemento dos atuais instrumentos da democracia direta. Mas é preciso utilizá-los da melhor maneira possível. Com estas propostas queremos contribuir para que esta discussão seja mais bem organizada.

swissinfo.ch: A atual perspectiva de ampliar a democracia no mundo é paradoxal. Onde o senhor vislumbra que estejam os avanços mais promissores?

Y.L.: Há problemas na democracias tradicionais. Em alguns países, a participação nas eleições europeias não passou de 20%, o que significa um problema de legitimação para a instituição afetada. Os problemas da democracia, ou da prática democrática, não são exclusivos dos países em desenvolvimento.

O sinal mais positivo que registramos atualmente é que a demanda por democracia nunca esteve tão alta com hoje. Mais do que nunca, os cidadãos querem influenciar as decisões políticas. E isso é gratificante. Apesar disto, o estabelecimento de uma democracia duradoura permanece sendo um desafio.

swissinfo.ch: Mudando de assunto. Devido às ameaças terroristas, seu país, a Bélgica, está submetido a severas restrições. Como os seus conterrâneos estão reagindo a esta situação de emergência que implica uma restrição de direitos constitucionais primordiais?

Y.L.: Existiu e ainda existe uma grande compreensão por parte da população pelo fato de que a luta contra o terrorismo exige medidas anormais, pois o próprio terrorismo é anormal em termos de brutalidade e crueldade.

Depois de alguns dias reconhecemos que as medidas e instrumentos disponíveis deviam ser mais bem empregados para combater a criminalidade e a fonte de vários problemas. Fomos negligentes com algumas regiões e bairros, locais onde não havia presença suficiente da polícia ou de instituições políticas. Temos que corrigir isso.

Em geral a população compreende muito bem as medidas tomadas. Mas talvez tenhamos ido longe demais com o que chamamos de tolerância. Não cuidamos muito bem da organização e agora vemos as más consequências.

swissinfo.ch: O senhor vê os terroristas do Estado Islâmico como uma ameaça duradoura aos direitos constitucionais e à liberdade dos cidadãos na Europa ocidental?

Y.L.: Acho que a globalização e a facilidade de se viajar – falando apenas na eliminação do controle de fronteiras no espaço do acordo de Schengen – traz muitas vantagens àqueles que têm boas intenções. O mesmo vale para o comércio e intercâmbio. Mas isso também significa que facções criminosas podem se aproveitar destes mecanismos.

swissinfo.ch: Como deve ser a resposta do seu país – a Bélgica – e de todos os países da Europa a esta ameaça do Estado Islâmico?

Y.L.: Por um lado, temos que manter os direitos e liberdades dos cidadãos de bem. Inclusive manter a mobilidade. Mas por outro temos que aumentar o controle a fim de reduzir ao mínimo os riscos de novas ações criminosas.

Os Estados Unidos e a União Europeia, por exemplo, estão há tempos negociando um sistema de transferência de dados dos passageiros de avião. Assim poderia haver mais organização.

Poderemos ver nos próximos meses, por exemplo, acordos para uma melhor utilização dos recursos técnicos existentes. Isso demonstra que é possível ter mais segurança sem que o acesso à mobilidade que adquirimos nas últimas décadas seja ameaçada.

Biografia

Yves Leterme, do instituto IDEA Internacional, 55, foi ministro-presidente da Bélgica em 2008 e do final de 2009 até 2011.

Advogado e cientista político por formação, ele também havia sido ministro das Relações Exteriores. Desde meados de 2014 ele é secretário-geral do Instituto IDEA Internacional.

Entre final de 2011 até final de 2014, foi vice-presidente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE.

O IDEA Internacional (Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral) é uma organização intergovernamental.

O Instituto, com sede em Estocolmo, na Suécia, apoia os países – através de dados científicos – nos processos eleitorais, na elaboração da constituição, participação e representação, bem como em situações de conflito e questões de segurança.

A conferência anual do Instituto IDEA realizou-se nos dias 25 e 26 de novembro em Berna. A Suíça esteve na presidência do instituto em 2015.


Adaptação: Fabiana Macchi,
swissinfo.ch

Fonte: Swiss Info

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