A arte de resistir

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Fotografias, instalações, vídeos, entre outros formatos retratam a arte de resistência aos regimes ditatoriais na América Latina em exposição no Migros Museu de Arte Contemporânea em Zurique.

"Poema", obra da artista brasileira Lenora de Barros.  (Migros Museum)

"Poema", obra da artista brasileira Lenora de Barros.

(Migros Museum)

Obras de 12 artistas brasileiros que viveram e criaram sob às duras mãos da ditadura fazem parte da exposição “Resistance Performed – Aesthetic Strategies under Repressive Regimes in Latin America” (em português, algo como “Resistência em performance – Estratégias estéticas sob regimes repressivos na América Latina). A mostra acontece até fevereiro de 2016 no Migros Museu de Arte Contemporânea, em Zurique.

A exposição, como o próprio título diz, foca nas estratégias artísticas de resistência. Para isso, a curadoria do museu reuniu obras de artistas argentinos, chilenos, colombianos, peruanos e uruguaios, além dos brasileiros. Mais do que rever momentos traumáticos da história da América Latina – cujos regimes ditatoriais ganharam força no final da década de 60 – a exposição é um registro da luta incansável desses artistas, que usando estratégias, materiais, espaços, e formas diversificados entregavam suas mensagens.

“A exposição é um registro histórico. Foram 2 anos e meio de pesquisa e trabalho. Exigiu um esforço grande da equipe para chegarmos ao resultado desejado”, afirma Heike Munder, diretora do Migros Museu de Arte Contemporânea.

“Ainda não havia visto tamanha produção apresentando a performance artística latino-americano deste período. Ali estão reunidos vários segmentos e correntes, incluindo a parte sonora”, afirma o artista brasileiro Paulo Bruscky. Ele esteve presente na inauguração em Zurique, além de ter dado uma palestra ao lado da curadora brasileira Cristiana Tejo, como parte da programação complementar da exposição.

Os artistas e suas propostas

Do Brasil, é possível conferir obras do paraibano Antonio Dias, que logo nos primeiros anos da ditatura ganhou uma bolsa de estudos e mudou-se para a França, do grupo 3Nós3, criado no final da década de 70 por Hudinilson Jr, Mario Ramiro e Rafael França, e que tinha como objetivo ocupar, simultaneamente, o espaço da cidade e o espaço da mídia.

O carioca Cildo Meireles participa com “Inserções em circuitos ideológicos: 1 – Projeto Coca-Cola”. Neste projeto, sobre garrafas de Coca Cola, um dos símbolos mais eminentes do imperialismo norte-americano, o artista escrevia a frase “Yankees go home” (Yankees voltem para casa), para depois devolvê-las à circulação. Sua outra obra em exposição é “Inserções em circuitos ideológicos: 2 – Projeto cédula”, em que carimbava sobre cédulas frases do tipo “Quem matou Herzog?”, referindo-se ao jornalista Vladimir Herzog torturado e assassinado pela ditadura, ou “Which is the place of the work of art?” (Qual é o lugar da obra de arte?), questionando a falta de liberdade e o papel da arte.

Entre as mulheres, a artista plástica e poeta Lenora de Barros participa com as obras “Poema” e “Não quero nem ver”. Formada em Linguística pela Universidade de São Paulo e filha do artista concreto Geraldo de Barros, Lenora iniciou seu percurso artístico tendo com impulso inicial a palavra. Seguiu em frente explorando o caminho da sonoridade e dos aspectos visuais.

Anna Maria Maiolino, – nascida na Itália, mudou-se para o Brasil em 1960 – também participa da exposição com as fotos “Entrevidas”, “De…Para…” e “É o que sobra”. Em “Entrevidas”, ovos de galinhas são espalhados pelo chão em espaços semi-regulares para permitir a passagem das pessoas. O desafio da obra, segundo o curador e crítico Paulo Herkenhoff em “A trajetória de Maiolino: uma negociação de diferenças”, “é a espacialização linguística da expressão em português ‘pisar em ovos’, isso é conduzir-se com cautela, diplomacia, habilidades, por tratar-se de uma situação delicada e constrangedora.”

A exposição conta também com obras da argentina Marta Minujín, do grupo chileno CADA (Coletivo de Ações de Arte), de Sergio Zevallos, do Peru, Carlos Motta, da Colômbia, Pedro Reyes, do México, entre outros.

Foto reproduzida do vídeo "Preparação",  feito pela brasileira Letícia Parente em 1975. (Migros Museum)

Foto reproduzida do vídeo "Preparação", feito pela brasileira Letícia Parente em 1975.

(Migros Museum)

Ciclo de palestras

Paralelamente à mostra, o Migros Museum oferece um programa de palestras com especialistas no assunto. No dia 14 de janeiro, às 18:30, o professor da Universidade de Zurique Jens Andermann falará sobra instalações e performances da arte contemporânea da América Latina.

No dia 28 de janeiro, Miguel A. López, curador chefe do TEOR/ética, um espaço dedicado à pesquisa e à disseminação das práticas de arte contemporânea em São José, na Costa Rica, se apresenta em uma conversa com o artista peruano Sergio Zevallos, que participa da mostra com três obras. Zevallos é um dos fundadores do grupo Chaclacayo, que desde 1982 atuava no Peru e depois, em 1989, acabou se transferindo para a Alemanha. Por meio da fotografia e da performance, o grupo desenvolveu um trabalho artístico provocador, polêmico, usando e abusando de imagens fortes em que questionam a realidade política, a discriminação social e racial.

Vale lembrar ainda que nos dias 22 e 23 de janeiro ocorrerá no Migros Museum o Simpósio “Please Worry! Critical Pedagogies in Graduate Arte Education”, que não foca em arte na América Latina, mas nas oportunidades atuais para artistas em busca de realização de pesquisa. Segundo os organizadores do evento, como parte do Processo de Bologna, várias posições para doutorado e pós-doutorado estão sendo implementadas nas universidades.

Técnica e Magia

Atualmente é possível conferir o trabalho do brasileiro Paulo Bruscky, pioneiro na exploração de mídias contemporâneas, como a arte postal, audioarte e videoarte, em duas exposições na Europa. Uma delas é a “Resistance Performed”, que acontece em Zurique, no Migros Museu. A outra mostra, intitulada “Bruscky invent’s”, ocorre em Berlim, na galeria Dan Gunn.

swissinfo.ch: Como é ver seu trabalhando dialogando com essas outras obras latino-americanas na exposição ‘Resistence Performed’?

Paulo Bruscky: Em 1982, morei em Nova Iorque. Depois fui pra Europa. Fiquei em Amsterdam. Conheci Alemanha. Mas não havia tido a oportunidade de ir à Suíça. Só havia tido contato com algumas pessoas da Suíça por meio da Mail Art. Mas esta é a primeira vez no país e estou adorando. Também estou bem impressionado com o trabalho do Migros Museu. Nunca havia visto tamanha produção da performance artística latino-americana. Conheço praticamente todos os artistas. E posso dizer que foi uma curadoria bastante importante.

swissinfo.ch

Fonte: Swiss Info

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