Como a cantora mexicana/estadunidense aperfeiçoou seu espanhol, abraçou a justiça social e, finalmente, recuperou seu ritmo
Suzy Exposito | Rolling Stone EUA. Tradução: Mariana Rodrigues | @marigues_ sob supervisão de Yolanda Reis Publicado em 03/02/2021, às 20h01
No início de 2020, tudo conspirava a favor de Becky G. Após quase uma década da assinatura do seu contrato de gravação com a Sony Music, a estrela do pop, agora com 23 anos, finalmente lançou seu disco de estreia na Sony Latin, Mala Santa, em outubro de 2019.
Com um percurso entre a língua espanhola até o pop, reggaeton e trap latino, o álbum é uma coletânea de novas canções e músicas chicletes reproduzidas fortemente pelos EUA e na América Latina, como o hino feminista de 2018 “Sin Pijama” com Natti Natasha e “Mayores”, assistida por Bad Bunny. Também mergulhou no universo do k-pop com o integrante do BTS, J-Hope, em “Chicken Noodle Soup” e levou para casa o prêmio anual de Evolução Extraordinária, no Latin American Music Awards de 2019.
No entanto, na indústria da língua inglesa, o futuro de Becky ainda é incerto. Apesar de ter aproveitado o cobiçado status na elite do pop latino, o progresso na sua gravadora, RCA, havia chegado ao seu limite. Em 2018, a Billboard divulgou o processo de US$ 105 milhões da cantora contra a Core Nutrition, LLC, a companhia por trás da garrafa d’água Core Hydration, da qual o produtor Dr. Luke era dono de uma grande parte. Segundo Becky, a promoção da marca de água ofuscou sua carreira, mesmo tendo pouco para mostrar além do seu EP de estreia, Play it Again (2013), e o seu maior sucesso em 2014, “Shower.”
Mas, em 2019, Becky desistiu do processo e focou em expandir seu repertório em espanhol com a gravadora vizinha, Sony Latin. Para quem cresceu ouvindo Mariachi com a família, parecia uma mudança certa. “Fiquei sem outra opção a não ser cantar em espanhol,” disse à Rolling Stone por telefone. “Sentia-me tão presa na minha carreira. O que uma jovem de 18 anos deveria sentir como o fim? Então, era tipo, ‘Cara, graças a Deus eu posso falar outra língua!”
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Durante a pandemia, a cantora passou a quarentena em Los Angeles, com a família e namorado, Sebastian Lletget, jogador profissional de futebol do L.A. Galaxy. Desde o início do lockdown em março, Becky lançou uma série de faixas em inglês e espanhol: uma versão ranchera do hit “Jolene” de Dolly Parton, com participação de Chiquis Rivera; “My Man,” um reggae-pop chiclete e seu novo número com a superestrela porto-riquenha Ozuna, “No Drama.”
Mesmo assim, dentre os inúmeros talentos de Becky, poucos fãs parecem ter percebido sua vocação como ativista e podcaster. Durante o verão dos Estados Unidos, posicionou-se publicamente sobre o movimento Black Lives Matter, junto com a família de Vanessa Guillen, soldada latina morta fora da base militar de Fort Hood, no Texas.
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Além disso, lançou seu próprio programa na Amazon Music, intitulado #EnLaSala, onde conversa com convidados ilustres como a atriz America Ferrera, a vice-presidente Kamala Harris e o governador da Califórnia, Gavin Newsom. “Tenho uma grande responsabilidade além de apenas cantar músicas,” disse. “Se afeta meu público, me afeta também.”
Rolling Stone: Você não teve a oportunidade de se apresentar ao vivo, nem de sair em turnê. Como se adapta à rotina da quarentena?
Becky G: Costumava viajar muito. Mas o vírus não se importa com onde você vive ou quanto dinheiro você tem na sua conta bancária… Se pega você, pega você. Então, pode imaginar onde eu estava quando tudo começou! Sou uma grande hipocondríaca e germofóbica, então, estava surtando.
[Sebastian e eu] temos nosso próprio apartamento, mas passamos a quarentena com meus pais nos primeiros dois meses e meio de lockdown. Somos uma supergrande família mexicano-estadunidense. Esse ideal de união permite um grande conforto em tempos de tantas incertezas. Quando filmamos o clipe de “My Man” em casa, eles ajudaram com os equipamentos e outras coisas.
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RS: Levou quase 10 anos para você lançar seu álbum de estreia, Mala Santa (2019) – é forte, sexy e completamente gravado em espanhol. Quando se sentiu segura para explorar esse lado em suas canções?
BG: Tem um lado positivo e um negativo. E isso é o Mala Santa (2019) para mim. Há uma boa garota e uma versão empoderada em mim, mas todos a chamam de “má” porque ela é sexy, porque não tem medo de falar. Tenho direito, como mulher, de não ser colocada em uma caixa, mas conseguir abraçar esses dois lados meus, entende? Aquela garotinha do início da minha carreira ainda está aqui, mas descobri a minha feminilidade. Descobri como ser sexy e todas as coisas responsáveis por quem sou agora.
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RS: Você não era uma estrela da Disney, mas por ter começado sua carreira tão jovem, as pessoas esperavam isso.
BG: Somos expostos as coisas muito cedo agora, por isso, amadurecemos mais rápido. Nunca gostei de Barbies, mas gostava de bonecas bebês porque faziam eu me sentir como uma mulher. Desde meus nove anos, sentia a necessidade de sair e trabalhar para ajudar minha família.
Então, me descobriram aos 14 anos, quando fazia covers para o YouTube. Tinha reuniões com gravadoras, escolhendo com qual delas eu assinaria. O medo sempre esteve presente – quem começa a fazer rap aos 11 ou 12 anos? Provavelmente, foi a cultura de Inglewood, onde cresci. Mas, a indústria da música era tipo: “Você é tão jovem… por que tão agressiva? Por que está fazendo rap como se você estivesse passando por situações complicadas?” E bom, “porque eu estava!”
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RS: Você começou como uma artista de língua inglesa. Quais são os principais desafios de fazer um “cross-over reverso” para a música em espanhol?
BG: Para o lado anglo, sou uma artista latina. E, para o lado latino, sou uma norte-americana cantando música latina. Estou constantemente tentando encontrar meu centro e o lugar onde pertenço. Penso nos meus fãs nascidos aqui ou cujos pais nasceram aqui. E, talvez, não falem espanhol perfeitamente, mas me identificam como latina. Nós devemos abraçá-los em vez de descartá-los, porque de qual outra forma a cultura sobreviverá? Agora, principalmente, somos multiculturais e isso é uma coisa linda. Essa é a minha realidade.
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RS: É uma experiência vivenciada por muitas latinas dos EUA – explicando para as pessoas: você ainda é latina, mesmo vivendo nos Estados Unidos. Você deve trabalhar mais para ganhar a confiança deles.
BG: Meus pais nasceram nos Estados Unidos. Meus avós são do México, de um lugar chamado Jalisco. Mas o México foi uma das multidões mais difíceis de conquistar o amor e apoio. Se não me aceitam lá, mas não me sinto confortável aqui, para onde iria?
Um dos meus primeiros discos era da Christina Aguilera. Tinha um lado em inglês e outro em espanhol, com as mesmas músicas. Sempre soube: “Quando eu for uma estrela, quero ter músicas em espanhol e músicas em inglês.” Mas meu maior medo era o espanhol. Não era perfeito.
RS: Como você ficou fluente mais rápido?
BG: Levei a minha prima Cristina para a estrada comigo e fiz ela conversar apenas em espanhol. Se eu tivesse dúvidas sobre alguma coisa, ela me explicaria: “Ok, o equivalente da palavra que você está tentando dizer é isso.” Por muitos anos, eu tinha minhas palavras favoritas, porque me sentia confortável as usando. Pensei, “A coisa mais importante é tentar, certo?”
RS: Como você descreveria seu espanhol agora?
BG: Tenho um ouvido musical tão bom, sou quase como um “vira-lata”. Se estou na Espanha, me torno espanhola. Se estou em Miami, me torno cubana. Se estou em L.A., sou mexicana. A família do meu namorado é da Argentina, então, agora, tenho um pouco de sotaque argentino. Reflito meu ambiente.
RS: Você é uma típica pisciana – piscianos são como esponjas.
BG: Somos signos de água! Somos muito fluidos. Você nos coloca em um copo, então, somos um copo! Você nos coloca em uma tigela e somos uma tigela. Você nos espalha no chão e estaremos em toda parte! Somos como pequenos metamorfos. Mas, no início da minha carreira, costumava me sentir perdida, porque era muito boa em me adaptar. Diziam: “Nós queremos uma estrela do pop,” e eu dizia: “Sim, serei a melhor estrela do pop!” E era como, “Ok, talvez não seja eu.” Agora, aprendi a usar meu superpoder de camaleão. Mas sempre trazendo de volta quem realmente sou.
RS: Você se importa de falar sobre seu processo contra Core? Ou o status do seu acordo com a Kemosabe Records e como isso afetou o seus futuros lançamentos em inglês?
BG: Mesmo sendo algo desconfortável, gostaria de esperar até poder dar a informação correta. Essas pequenas coisas podem ser interpretadas de maneira errada. E não apenas do lado da mídia, mas meus fãs também podem ficar bravos.
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RS: O quão bravos seus fãs podem ficar?
BG: Vou te dar um exemplo – foi como Mala Santa (2019) nasceu. Estava sentada [em um hotel em Nova York] com meu A&R, um rapper da Sony RCA, e conversávamos sobre o disco [Mala Santa]. Eu estava pronta para lançar o álbum. Mas a indústria é basicamente baseada em singles, e tive uma carreira inteira baseada em singles.
Tenho contrato desde os meus 14 anos, mas, como artista, tenho o direito de exercitar minha criatividade e lançar meu trabalho por completo. Então, tinha toda essa questão: eles me amam, me apoiam, mas também há o lado da indústria.
Tinham muitos fãs esperando lá fora, queriam tirar fotos. Eu estava sozinha, sem segurança. Senti como se eles tivessem sido mandados do céu. Perguntaram, “Ei, B! Quando o álbum vai sair?” Então eu olhei para os representantes da gravadora e meus agentes. E estava tipo: “Vão perguntar para eles quando o álbum vai sair.
Então, uns sete fãs vieram até a mesa, “Desculpa. Quando nós teremos um álbum? Você não acha que ela merece um álbum?” Meus agentes depois disseram: “Eles estavam convencidos que você os pagou para fazer aquilo.”
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Fãs, sem precisar dizer nada, realmente entendem, apesar de tudo, o fato de eu sempre estar tentando levar tudo com fé, trabalhando duro, sem pegar nenhum atalho, e embora as coisas nem sempre funcionem a meu favor, é como se tivesse aquele pequeno motor me fazendo acreditar.
RS: Qual é o status do seu projeto em inglês?
BG: Lancei algumas músicas, apenas para deletar minha última fase em inglês – você sabe, a era “Shower”. Isso não representa quem eu era de verdade. Quando comecei meu projeto em espanhol, também passei a co-dirigir meus clipes e assumir o controle dos conceitos. Foi legal apertar um botão de reset no meu projeto em inglês e reintroduzir eu mesma. Tinha muita influência do R&B. Cresci ouvindo Don Omar e Daddy Yankee, mas também ouvia Brandy e TLC.
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RS: Você fala cada vez mais sobre política e justiça social esse ano – você falou em solidariedade ao Black Lives Matter e se junto ao Conciencia Collective, uma organização de artistas latinos contra o racismo. Qual o motivo para se posicionar desse jeito?
BG: Não preciso pensar duas vezes sobre apoiar nossos irmãos e irmãs negros. Racismo é algo mundial e as pessoas deveriam abrir seus olhos. Especialmente, indivíduos na comunidade latina. Mesmo em L.A., um dos lugares mais multiculturais do mundo, testemunhei [o racismo] por muito tempo.
Se afeta aos meus fãs, afeta a mim, então tenho grande responsabilidade por trás de apenas cantar músicas. É algo assustador – mesmo apenas uma pequena declaração como, “Não concordo com o racismo.” Posso entender o medo de dizer a coisa errada. Mas nunca é tarde demais, o importante é chegar lá.
RS: Como você lida com essas questões para os fãs brancos e que podem ter hesitado em apoiar um movimento como o Black Lives Matter?
BG: Olha, experimentei formas de descriminação aumentando… Mas depende do lugar onde estou. Se falo espanhol no mercado com a minha avó, e tem uma “Karen” presente, ela pode dizer: ‘Olha, nós falamos inglês aqui na América! Volte para onde você veio!’… Mas nunca saí de casa, temi por minha vida enquanto andava para a escola, por minha pele ser negra. Como uma latina de pele clara… Tenho o privilégio branco. Educação é crucial, especialmente quando vem da comunidade latina. Mesmo [explicar] alguma coisa simples como a diferença entre raça e etnia é importante.
RS: Entre os protestos, a pandemia e a eleição, a sociedade norte-americana passa por um grande período de avaliação. Como você se faz presente?
BG: Tudo virou algo tão político. Se você usa máscara, você é democrata. Ser uma boa pessoa não deveria ser associado a um gesto político. Mas a natureza da política americana está muito fragmentada, especialmente durante a pandemia. [A pandemia] está literalmente colaborando com essa divisão.
É traumatizante ver a morte de tantas pessoas em tempo real, vídeos da brutalidade da polícia, ou mulheres como Vanessa Guillen desaparecerem. Tenho um relacionamento muito bom com outros artistas, então, vejo como eles estão. Alguns são abertos, como, “cara, estou sendo realmente afetado por isso.” Há uma grande necessidade de empatia agora. Achar a conexão entre você e alguém como você. Alguem pode não ser capaz de viver isso na pele, mas em algum lugar aí dentro, todos estamos conectados. E somos mais fortes juntos.
+++ PAI EM DOBRO | ENTREVISTA | ROLLING STONE BRASIL