O Paulinho do Rap: Rashid supera imagem de “bonzinho” enquanto se adapta ao atual mercado musical
“Fui construindo a parada quietinho e cheguei ao lugar aonde os caras que estão sempre sob os holofotes também chegaram”, diz o rapper, que faz show de lançamento do disco Crise em SP
por Lucas Brêda
Falar que ninguém mais ouve álbuns inteiros hoje em dia é gastar uma máxima repetida à exaustão. Quando começou a pensar no sucessor de A Coragem da Luz (2016), Rashid, no entanto, levou a reflexão a sério: lançou as faixas separadamente, como singles, acompanhadas de clipe, durante todo o ano passado. Só no começo de 2018 ele soltou Crise, o LP cujo show de lançamento acontece em 30 de março, em São Paulo, e que reúne as canções de 2017, somadas a mais duas inéditas. “Vou falar a verdade: de números, foi o melhor projeto que já fiz”, assume o rapper paulistano. “O que é muito foda, porque completei 10 anos de carreira em 2017.” Rashid fez alguns cálculos. “No ACL, algumas músicas despontaram na frente e outras ficaram ali na média. Já no Crise, como fomos soltando single a single, todas elas andaram muito bem. Quando o disco saiu, já tinha mais de 25 milhões de views. Valeu muito a pena, os números subiram muito.”
Rashid foi criativo na hora de entender o mercado, só que também esteve mais afiado com a caneta na mão. Em “Primeira Diss”, por exemplo, ele se colocou como alvo das próprias críticas. “Uma coisa é o Nas e o Jay-Z brigando para ver quem é o melhor MC, mas, quando isso vira um mercado, foge totalmente da essência da competição do rap”, reflete, endereçando o excesso de conflitos recentes no hip-hop nacional. A canção foi inspirada em comentários negativos no YouTube. “Pensei: quando ouvirem isso da minha boca, vão ver o tamanho dos absurdos que estão falando.” Na onda da autocrítica, surgiu mais agressivo. “De certa forma, o ACL tinha muito do ‘rapper bonzinho’, e acho que foi uma figura que eu ajudei a construir. E agora não é mais o Rashid ‘good vibes’”, confessa. Crise, de fato, é recheado de “timbres mais modernos, batidas mais pesadas e cheias de grave” (“Musashi” e “Estereótipo” são exemplos). “Eu ficava flutuando em uma filosofia, sempre gostei de trabalhar temas específicos. Agora, fui mais eu. Nunca fui tanto eu. Me coloquei de verdade, dei a cara a tapa.”
Apesar de ter descoberto uma maneira sólida de se relacionar com o mercado, Rashid não quer cair no erro de transformar a novidade em fórmula gasta. Por isso, tem uma única certeza para 2018: “Não vou fazer isso”. Depois de um ano atarefado, ele deve, sim, focar na agenda de shows e gozar de um novo status no hip-hop nacional. Como na faixa “Pés na Areia”, ele rima: “Me compararam com Paulinho, gostei vagabundo/ Cheguei quietinho e hoje tô com os melhores do mundo”, citando o jogador do Barcelona que é subestimado por estar cercado de nomes mais “badalados”, como Neymar e Philippe Coutinho, na seleção brasileira. “Fui construindo a parada quietinho e cheguei ao lugar aonde os caras que estão sempre sob os holofotes também chegaram. É sobre ter construído a imagem do cara bonzinho, comendo quieto e, de repente, quando você olha bem, tem a mesma capacidade, o mesmo talento. Precisava demonstrar isso.”