Father John Misty faz culto secular e converte até mesmo quem não é fã
Músico apresentou o show da turnê God’s Favorite Customer no Auditório Simón Bolívar, em São Paulo
por Bruna Veloso
27 de Ago. de 2018 às 12:59
Ir a um show pode ser uma simples experiência de entretenimento, um momento de escapismo das obrigações cotidianas. Para um fã, pode ser mais que isso, algo como uma comunhão. Há, porém, alguns shows que despertam esse sentimento de pertencimento independentemente de você ser um seguidor fervoroso do artista em cima do palco. É uma daquelas situações em que a vida faz sentido, em que uma voz e alguns instrumentos são capazes de, naquele ponto específico do espaço-tempo, levar o espectador a um lugar inesperado de contentamento. É isso que promoveu Father John Misty no último domingo, 26, no belo Auditório Simón Bolívar, em São Paulo.
A comparação está longe de ser inédita, mas não há descrição melhor: Father John Misty comanda um culto secular no qual critica instituições religiosas, destila autoironia e celebra a beleza de melodias construídas com o que, diriam os seguidores de tais religiões, só pode ser dom divino. Josh Tillman, o homem por trás da persona, cresceu em um meio extremamente religioso – os pais se conheceram em um grupo cristão e ambos foram missionários. Nesse ambiente “culturalmente opressor”, como o artista já caracterizou, ele forjou suas críticas com conhecimento de causa.
Em São Paulo, no evento que foi parte do Popload Gig em parceria com o Queremos, Tillman subiu ao palco às 20h30, com meia hora de atraso, acompanhado de seis músicos (bateria, pianos, efeitos, guitarras e baixo). Ele está na estrada com a turnê do irrepreensível God’s Favorite Customer, lançado no último mês de junho. As atuais apresentações têm uma leve ênfase neste álbum, mas são bem balanceadas entre os quatro que Tillman lançou como Father John Misty (além de God’s Favorite Customer, há Fear Fun, de 2012, I Love You, Honeybear, de 2015, e Pure Comedy, de 2017).
Como tem ocorrido neste giro, “Nancy From Now On” foi a primeira da noite, já mostrando a beleza dos pianos da banda, seguida de “Chateau Lobby #4 (in C for Two Virgins)” e “Only Son of the Ladiesman”. O Auditório Simón Bolívar tem duas plateias, entre as quais fica o palco. Antes de “Disappointing Diamonds Are the Rarest of Them All”, Tillman virou-se pela primeira vez para a segunda plateia. “Darei o meu melhor para olhar diretamente nos olhos de todos ao menos uma vez”, disse.
O cantor e compositor norte-americano flanou lindamente pelo tablado, gesticulando com as mãos, levantando leve e alternadamente os calcanhares, erguendo o pedestal do microfone, ajoelhando-se (que linda cena quando, em “Bored in the USA”, bradou, de joelhos, o verso “Save me, white Jesus”). Ele, que já chegou a encerrar um show na metade e é conhecido por trolar jornalistas e, por vezes, o público, pareceu satisfeito com os paulistanos, ainda que uma das plateias estivesse quase dois terços vazia. Na introdução de “God’s Favorite Customer”, a penúltima antes do bis de cinco canções, alguém pediu que ele ficasse “no Brasil para sempre”. “Eu poderia”, respondeu.
O público se levantou das cadeiras pela primeira vez ao som de “Real Love Baby”, uma linda exaltação da sensação de estar apaixonado. Logo depois, antes de “So I’m Growing Old on Magic Mountain”, Tillman convidou os espectadores a subirem ao palco (vendo a excitação das pessoas, brincou: “Não façam eu me arrepender”). Foi um daqueles momentos que permanecem, que se tornam memórias. Quando quer, Josh Tillman promove um show que não se esquece facilmente. Se alguém ali ainda não era seguidor do “pai/ padre” John Misty, certamente saiu daquele auditório convertido, sob a revelação de que sim, a música salva e dá sentido ao que parece não ter, mesmo que seja apenas por um par de horas.
Veja abaixo o setlist:
1 – “Nancy From Now On”
2 – “Chateau Lobby #4 (in C for Two Virgins)”
3 – “Only Son of the Ladiesman”
4 – “Disappointing Diamonds Are the Rarest of Them”
5 – “Mr. Tillman”
6 – “Total Entertainment Forever”
7 – “Ballad of the Dying Man”
8 – “Hangout at the Gallows”
9 – “Bored in the USA”
10 – “Please Don’t Die”
11 – “I’m Writing a Novel”
12 – “Date Night”
13 – “Hollywood Forever Cemetery Sings”
14 – “Pure Comedy”
15 – “God’s Favorite Customer”
16 – “I Love You, Honeybear”
Bis
17 – “The Palace”
18 – “Real Love Baby”
19 – “So I’m Growing Old on Magic Mountain”
20 – “Holy Shit”
21 – “The Ideal Husband”