Dedicado ao som, Radiohead explora pluralidade de emoções para 30 mil pessoas em SP
Depois de tocar no Rio de Janeiro, banda encarou dezenas de milhares em show com setlist anticlimático e festa rara de luzes no Allianz Parque
por Lucas Brêda
23 de Abril de 2018 às 13:41
O Radiohead ficou nove anos sem tocar no Brasil e, no último domingo, 22, encerrou em São Paulo a curta mas barulhenta passagem pelo país. Se o show de sexta, 20, no Rio de Janeiro, foi um pouco mais longo e imprevisível (com uma surpreendente performance ao violão de “True Love Waits”), o do Allianz Parque proporcionou momentos épicos possíveis apenas com as dimensões de um estádio.
Além de Aldo the Band e do Junun (projeto do guitarrista do Radiohead, Jonny Greenwood), o produtor Flying Lotus abriu os trabalhos com uma apresentação que teve toda a cara de DJ set e uma recepção bem mais acalorada que a dos cariocas. A plateia vibrou com as viradas bruscas e batidas frenéticas e também com o tipo do palco, em que Flying Lotus ficou dentro de uma “caixa” na qual projeções das mais diversas – em muitos momentos, de gosto duvidoso – se sucediam e até ofuscavam o rosto do norte-americano. Novamente, ele falou de Avicii, DJ sueco que morreu na última sexta, tocou a versão trap do tema de Twin Peaks, evocou a voz do colaborador Kendrick Lamar em trechos de “King Kunta” e “Wesley’s Theory”, ambas de To Pimp a Butterfly (2015), e “Never Catch Me”, além de Thundercat em “Friend Zone”.
No RJ, Radiohead mostrou como soube envelhecer sem perder; saiba como foi
Espaço para mais de 40 mil pessoas, o Allianz Parque soava desde o anúncio do Soundhearts Festival – que, de festival mesmo, teve apenas o nome, já que o caráter era inteiro de um show regular do Radiohead com algumas atrações de abertura – como um local muito maior do que a capacidade do Radiohead de reunir público no Brasil. Nem na última passagem pelo país, em 2009, com Los Hermanos e Kraftwerk abrindo, eles conseguiram vender tantos ingressos. Quando o show começou, pouco das 20h, apesar de buracos na plateia e principalmente nas cadeiras mais distantes, o estádio esteve consideravelmente preenchido (de acordo com a organização, 30 mil pessoas estiveram presentes), levando em conta ainda que todo o nível mais alto da arquibancadas foi fechado durante o evento.
No Rio de Janeiro, o Radiohead tocou em um espaço fechado, a Jeunesse Arena, que funciona muito melhor para uma apresentação de muita imersão e pouca conversa fiada como é a da banda. Em São Paulo, o desafio era reter a atenção de pessoas muito mais distantes e praticamente sem auxílio dos telões (que chegaram a falhar e ficar desligados em performances inteiras), porque os vídeos exibidos eram conceituais e não as simples exibição do que acontecia no palco. A dinâmica deixou o protagonismo ainda mais com aos climas gerados pelo som e não com a imagem dos integrantes, apesar de ter gerado muito mais momentos frios, incluindo em algumas das faixas do último disco, o triste A Moon Shaped Pool (2016), entre eles “The Numbers” e “Present Tense” (o álbum também rendeu “Daydreaming”, “Ful Stop” e “Identikit”). Essas horas mais desanimadas também foram influenciados pelo volume do som, que chegava sem tanta força nas regiões da pista comum mais distantes do palco.
A estrutura foi a mesma de dois dias antes, com a banda absolutamente solta e azeitada e o sexteto (um baterista/percussionista adicional) completamente entregue aos seus instrumentos. De novidade, os paulistanos ganharam uma faixa de Amnesiac, “You and Whose Army?”, e três de Hail to the Thief, “The Gloaming”, “2 + 2 = 5” e “There There” (as duas últimas bastante celebradas) somando-se à feroz “Myxomatosis”. In Rainbows, um disco do qual praticamente todas as canções crescem ao vivo, rendeu “15 Step”, “All I Need”, “Bodysnatchers”, “Nude” e uma das melhores performances que a banda pode proporcionar, “Weird Fishes/Arpeggi”. Os grandes momentos de surpresa vieram com duas músicas dos anos 1990, “My Iron Lung”, de The Bends (1995), e “Exit Music (for a Film)”, de OK Computer (1997), em números comoventes nos quais a voz de Thom Yorke ecoou soberana pelos paredões do estádio.
O Radiohead não tem nenhum costume de agradar plateias com discursos e é raro que os integrantes cheguem a interagir de forma direta com o que acontece fora do palco. Em São Paulo, nada disso fez muito sentido, já que o guitarrista Ed O’Brien voltou para um dos bis com uma camiseta da seleção brasileira de futebol, enquanto Colin Greenwood sacou uma câmera de mão para filmar as luzes emanadas pelo público. Os celulares acesos, inclusive, aconteceram de maneira espontânea (diferente de shows como o de Paul McCartney, em que todos sabem os momentos exatos de participar) durante “Exit Music (for a Film)” e depois em “Paranoid Android”. Este tipo de festa proporcionado pela plateia nos hits foi raridade e até a inquietude de Thom Yorke no palco dava a entender isso. O vocalista até fez um comentário muito breve e quase indistinguível depois de “No Surprises”, dizendo que “ninguém faz nada por ninguém, e quem faz é jogado na cadeia, sem surpresas”, em um possível aceno à prisão do ex-presidente Lula.
Novamente, o Radiohead provou a capacidade de se manter relevante mesmo depois de tantos anos, com um setlist que abrangeu um cardápio muito vasto de emoções – compreendendo sentimentos que vão muito além da euforia natural dos shows de rock – e uma dedicação ao som que é única e enche os olhos dos mais aficionados por música. No Allianz Parque, a plateia não manteve a empolgação de maneira constante, como no Rio de Janeiro, mas propiciou que hits como “No Surprises”, “Idioteque” e especialmente “Paranoid Android” ganhassem proporções épicas quando cantadas por dezenas de milhares de vozes simultaneamente. Muitos fãs vão divergir em relação às escolhas do setlist, mas, mesmo após encerramento – simultaneamente bonito e anticlimático, com “Fake Plastic Trees” ganhando o lugar que normalmente seria de “Karma Police” – ninguém se mexeu para ir embora, esperando mais uma graça, desta vez não alcançada, dos britânicos.