David Gahan: “É bom conseguir me expressar por canções, o Depeche Mode é minha maior proteção”
Com show no Allianz Parque, em São Paulo, o Depeche Mode encerrou a etapa latino-americana da Global Spirit Tour, a mais longa da banda
por José Julio do Espirito Santo
Após mais de duas décadas, o Depeche Mode voltou ao Brasil para uma única apresentação. O atual trio encerrou a etapa latino-americana da Global Spirit Tour com um show no Allianz Parque, em São Paulo, na última terça, 27 deste mês. Ela foi a mais longa turnê da banda, com 129 datas na agenda. A primeira passagem pelo Brasil foi mágica para uma geração fã de synthpop, ainda que o Depeche Mode, então um quarteto, estivesse em sua fase mais rock. Para os integrantes, no entanto, os shows em 4 e 5 de abril de 1994, no Olympia, em São Paulo, parecem ter virado um borrão. “Lembro-me do mar interminável de prédios visto do avião quando estávamos chegando”, diz Martin L. Gore. Já Dave Gahan é mais lacônico: “Apenas coisas boas”, recorda diplomaticamente. Provavelmente, ele não se lembra de nada. Era uma época conturbada para o grupo. Em 1993, o Depeche Mode havia completado a Devotional Tour, a maior até então, e resolveu estendê-la no ano seguinte com a Exotic Tour, em países onde ainda não havia tocado. Andrew Fletcher não aguentou e pediu licença da banda pouco antes dos shows no Brasil, Gahan vivia seus dias de vício em heroína e Gore parecia perdido com uma banda em crescente ascensão.
As preocupações nunca acabaram, mas hoje são outras. Algumas delas, expressas em Spirit (2017), 14º do grupo. “Eu realmente não entendo o que se passa com o mundo”, Gore comenta. “Existe uma polarização maciça acontecendo, decisões ridiculamente absurdas estão sendo tomadas e todo mundo parece aceitar sem dar a mínima.” O inglês mora nos Estados Unidos há 17 anos e a mais recente eleição presidencial do país foi motivo de inspiração para “Going Backwards”, faixa que abre o novo disco. Gore também se desaponta com o estado de sua terra natal. “O Brexit vai afetar pelo menos três gerações”, calcula.
Saiba como foi o show do Depeche mode em São Paulo
Algumas músicas de Spirit remetem ao Depeche Mode dos anos 1980, embora sejam mais agressivas. “Em estúdio, quando alguém fala que a gente precisa de uma música com a cara da banda, é o momento em que eu me preocupo. Daí, tento mudar um pouco minha voz e fazer algo diferente. Sempre opto pela dificuldade de não nos repetirmos.” Poucas músicas do novo disco entram nos shows da Global Spirit Tour. “Tocamos só quatro ou cinco e fazemos um apanhado da carreira”, Gore revela. Tem ainda uma homenagem a David Bowie com uma cover de “Heroes”, música importante na formação do Depeche Mode. Quando David Gahan a cantou numa jam session, Vince Clarke o convidou para entrar em seu grupo e o Depeche Mode nasceu. O tecladista Peter Gordeno, que trabalhou com Gore em sua carreira solo, e o baterista Christian Eigner continuam como parte da banda ao vivo, junto a Gore, Gahan e Fletcher.
Eles dois são coautores de “Cover Me”, um clássico synthpop instantâneo, presente no atual setlist, e que ganhou um vídeo dirigido por Anton Corbjin. “Eu me visto de astronauta, fico perambulando pelas ruas da cidade onde moro e de repente estou no espaço”, diz Gahan. “Traz uma ideia de isolamento, mudança interna e proteção”, algo importante para um sujeito que já venceu a morte na forma de overdose, suicídio e câncer. “É bom conseguir me expressar por canções e assim me proteger. E o Depeche Mode é minha maior proteção.”