Dois mil e vinte e dois, último ano do desgoverno neofascista que recolocou o Brasil no mapa da fome e por pouco não o apagou do mapa-mundi. Um país destroçado, dividido e mal informado por redes de mentiras o viu morrer e assistiu 2023 nascer mais feliz e colorido, mas sob a ameça de golpe de estado, num misto de esperança e desespero que parece dar a tônica ao cotidiano de parte do povo desta nação de zumbis.
Porém apesar das mazelas foi também o ano em que o PCP voltou definitivamente à ativa após intermináveis meses de animação suspensa/coma induzido, com o retorno das edições semanais de sua versão web-radiofônica, maior assiduidade nos textos, mixtapes, enfim, um grande e sonoro ‘we’re back, motherfuckers’.
Há tempos não escutava, pesquisava e espalhava (boa) música como em 2022, dos bons e sempre presentes pequenos clássicos perdidos à discos recém-lançados e/ou ainda frescos (apesar da efemeridade contemporânea, um trabalho de 2018, por exemplo, ainda me parece novo); e também há tempos não mergulhava tão fundo em algumas cenas musicais como jangle pop, pós-punk, C-86, paisley underground e principalmente shoegaze. Não por acaso o álbum que mais ouvi no ano finado foi Grass stains and novocaine, dos californianos seabilte.
E desses tantos mergulhos por águas distorcidas vêm meus dois discos favoritos de 2022, ambos conduzidos pelo barulhos mas levando em outras direções. Vamos então a Just Mustard e Devilish Dear.
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Heart under, dos irlandeses Just Mustard, é daqueles discos que te engole; você aperta o play ou desce a agulha em “23”, surge a voz de Katie Ball – que realmente lembra a de Alison Shaw do Cranes – e de repente você já está sendo digerido num ponto qualquer entre “Blue chalk” e “Sore” para depois ser calmamente cuspido de volta ao som de “Rivers”.
Em meio a tudo isso você passa por cascatas quase sinfônicas de efeitos e barulhos, pós-punk, shoegaze, dream pop, eletronices que vão do trip-hop ao industrial, pós-rock, tudo denso, sombrio e tendo à frente como um guia de luz em meio à escuridão os vocais inebriantes de Katie… (Leia mais)
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Army of nothing levou praticamente cinco anos pra ficar pronto (em partes, pelo que consta no site da Midsummer, devido ao perfeccionismo de Braulio), então temos aí duas semelhanças com o My Bloody Valentine de Kevin Escudos e seu monstruoso Loveless: o apego aos detalhes de seu principal criador e o tempo de gestação.
O álbum do Devilish Dear vem cheio de loops e beats, samples, efeitos e com poucos vocais. Se não revoluciona o gênero em que é rotulado, traz sim um frescor a ele, buscando incorporar às influências clássicas (além dos Valentines, Curve me vem bastante à cabeça) sua forma particular de criar arte em meio ao caos dos borrões distorcidos… (Leia mais)
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E assim se encerra mais um ciclo. Que venha então 2023.
Axé!
Fonte: Pequenos Clássicos Perdidos